Título: Uma outra sustentabilidade
Autor: Viana, Jorge
Fonte: O Globo, 08/10/2009, Opinião, p. 7

A sociedade pediu a reforma eleitoral como contribuição do Congresso para a sustentabilidade política do país, mas os políticos negaram. Alcançamos o prazo fatal de 3 de outubro sem mudanças expressivas na legislação eleitoral, necessárias que eram para melhor qualidade do processo e dos resultados das eleições de 2010.

Com muito esforço de deputados e senadores mais atentos à realidade do país, algumas regras foram melhoradas. Ou até evitadas, como no caso das restrições que outros pretendiam impor para a campanha na internet. Mas o fato é que o Congresso não preencheu o vazio da legislação eleitoral, conservando o risco da judicialização da política e mantendo sob dúvidas questões como a fidelidade partidária, o alcance das coligações e o financiamento de campanhas - ou seja, matéria suficiente para comprometer a qualidade tanto dos processos quanto dos resultados eleitorais.

Para agravar o desgaste, senão o descrédito da classe política, surgem as inevitáveis comparações desse marasmo do Congresso com a vitalidade do país, que, com muito mérito do Poder Executivo, consegue segurar a estabilidade econômica diante da maior crise da história mundial e ser um dos primeiros países a dar sinais de que está saindo dela. O próprio Banco Central, que parece conservador por principio, já admite que teremos crescimento de 1% este ano.

No começo da crise financeira mundial, muitos apostavam que ela se desdobraria por tempo mais que suficiente para alcançar a campanha de 2010, transformando-se num obstáculo intransponível para o governo. Mas os fatos se manifestaram em contrário e hoje mesmo as vozes mais acreditadas da oposição preferem falar na busca da sustentabilidade, deixando, no mínimo, um implícito reconhecimento do desenvolvimento social em curso no país.

Por estes dias ouvi o economista Ricardo Paes de Barros falando da impressionante velocidade com que acontecem, agora, mudanças de padrão social nas camadas mais pobres da população brasileira. É o tipo de esclarecimento que nos faz entender por que, ainda no rescaldo da crise, o que resta é discutir a qualidade do crescimento e, como novidade suprema, sua sustentabilidade.

Essa vitalidade econômica e esse claro avanço social, assuntos que corrrem em torno das atividades de governo, direta e inevitavelmente comparados com a baixa produtividade do Congresso, que não avança nem a pauta de um assunto que lhe é pertinente até no nome, reforma política, talvez explique por que a sucessão presidencial desperta tanto interresse e as eleições parlamentares quase nenhum.

Isso é preocupante. As eleições de 2010 têm um peso diferenciado, são do tipo que só acontece a cada oito anos, renovando dois terços do Senado. Sem a reforma política que todos desejavam e ninguém fez, as desinteressantes eleições parlamentares podem acabar comprometendo também o resultado da fascinante corrida presidencial, com um vencedor submetido a uma base de apoio atrofiada, quantitativa ou qualitativamente - o que vem a ser ainda pior.

A política será sempre o instrumento para transformação da sociedade e para a superação dos problemas coletivos. A crise de agora reafirmou essa verdade, pois quando faltou dinheiro para oxigenar o vigor das grandes economias mundiais até os mercados capitalistas mais empedernidos recorreram aos políticos em busca de salvação. Só políticos brasileiros não notaram isso e, deixando o país novamente órfão da reforma eleitoral, perderam mais uma oportunidade para valorizar o Congresso e fortalecer a democracia nacional.

Agora, se a Inês é morta, não adianta esperar por milagres. O único jeito é entender que o país que já pode debater a sustentabilidade do seu crescimento só poderá garantir governança e governabilidade para avançar sem sobressaltos com sustentabilidade também na política. E os partidos políticos devem isso à sociedade brasileira.

A reforma negada até este 3 de outubro precisa ser resgatada no 3 de outubro seguinte. No voto e nas urnas de 2010.

JORGE VIANA foi prefeito de Rio Branco e governador do Acre, eleito pelo PT. E-mail: jorgeviana.ac@gmail.com.br.