Título: Governo cede áreas protegidas
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 12/10/2009, O País, p. 3

Índios, posseiros e fazendeiros ficarão com partes de florestas e parques nacionais

Ogoverno está disposto a abrir mão de uma área de 2.907.976 hectares em nove unidades de conservação espalhadas pelo Brasil. Essas terras, atualmente objeto de disputa, serão cedidas a posseiros, índios ou fazendeiros. Outra parte será afetada pela construção de hidrelétricas. Algumas já estão degradadas.

Dessas nove unidades de conservação, sete ficarão menores e duas terão as perdas compensadas com ampliação da área em regiões limites, que ainda estão preservadas. A lista de áreas que serão revistas inclui ainda outras duas unidades que não sofrerão cortes. Pelo contrário, serão ampliadas para preservar a vegetação local. No total, haverá um acréscimo de 330.666 hectares. As negociações para alteração das áreas passam por audiências públicas e terminam com a aprovação do Congresso, com o aval do presidente da República.

Uma das áreas em litígio fica em Rondônia. No intricado acordo já fechado entre a União e o estado sobre a Floresta Nacional (Flona) de Bom Futuro, o governo federal perderá 61,8% da unidade (168.000 hectares). Mas o estado repassará à União uma outra área, separada da Flona, de 180.000 hectares. Essas terras virarão sítios de proteção integral.

Escolas e igrejas em área desmatada

A floresta vem sendo ocupada há décadas por posseiros, que lá criam cerca de 35.000 cabeças de gado. Eles desmataram boa parte da região para abrir espaço para gado e dezenas de casas, 18 escolas e 14 igrejas. Estima-se que 3.500 pessoas morem ali.

- Apesar de a redução da área das unidades de conservação parecer um dado negativo à conservação ambiental, para gestão pode ser algo positivo. Reduz o conflito e corrige erros que eventualmente aconteceram no ato de criação - disse Juliana Fukuda, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

O caso mais emblemático, pelo tamanho da área em questão, é a Floresta Nacional de Roraima, que perderá 93,7% de seu território para os índios ianomâmi. Criada em 1965, a unidade tinha a maior parte de suas terras sobrepostas à reserva dos índios. Entendendo que os direitos dos povos tradicionais devem prevalecer, o governo cedeu 2,4 milhões de hectares, dos 2,6 milhões de hectares anteriormente dentro dos limites da Flona, para os cerca de 9.500 ianomâmis que vivem no local. O texto que faz a alteração está pronto para ser sancionado pelo presidente Lula.

Meta é conservar 10% do país

Segundo o Código Florestal Brasileiro, terra indígena é área de preservação permanente. Para o presidente do ICMBio, Rômulo Mello, a floresta estará mais protegida desta forma.

- A Flona de Roraima é um caso interessante de avaliar, porque estamos revendo o limite de uma unidade, mas estamos ampliando a conservação sobre a área. Ao deixar de ser Flona, ela passa a ser conservada pela legislação indígena, que é hoje mais restritiva que a de uma floresta nacional. O equívoco foi colocar uma unidade de conservação em sobreposição a uma área indígena - disse Rômulo Mello.

Na região da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) e cujo asfaltamento está incluído no PAC, duas unidades de conservação perderão área, por conta de invasões aceleradas pela chegada da estrada. Situada no município de Novo Progresso (PA), um dos campeões do desmatamento da Amazônia, a Flona de Jamanxim terá subtraídos 40.000 hectares em prol de posseiros que se apropriaram de lotes e os cobriram de pastagens que alimentam criações bovinas.

Mais ao sul do estado, a Reserva Biológica da Serra do Cachimbo também deverá perder em território e em proteção. O governo está disposto a abrir mão da classificação de reserva, que é uma das categorias mais restritivas de unidade de conservação, na qual não é permitida nem mesmo a entrada de visitantes, para transformá-la num parque nacional de 162.306 hectares e uma Área de Proteção Ambiental (APA) de 178.386 ha. No processo, a reserva perderá 1.785 hectares e permitirá, onde for APA, alguns tipos de exploração.

Na Bahia, interesses econômicos ganharam a queda de braço contra a conservação. A Reserva Extrativista (Resex) Marinha da Baía de Iguape vai perder 621 hectares para que a Petrobras mantenha um estaleiro que tinha metade do empreendimento irregularmente dentro da área. Com a brecha, o governo do estado estuda instalar ali um polo naval. Em contrapartida, a reserva ganhará uma pequena área (86 hectares) a leste da unidade e outra, de 310 hectares, ao norte. Entrou no lençol de proteção da unidade um mangue que originalmente estava descoberto.

Atualmente, existem 304 unidades de conservação no Brasil. Essas áreas somam cerca de 78 milhões de hectares e correspondem a 8,3% do território nacional. O ICMBio pretende criar mais 300 áreas de proteção e atingir a meta de conservar 10% do país.

Segundo o órgão do governo responsável pela gestão das unidades, 25 delas estão em processo de ampliação. Se tudo der certo, o país ganhará 1.073.815 hectares a mais de áreas protegidas.

- Nosso trabalho é de buscar ampliar a conservação e incorporar mais áreas. Temos um mapa de maior interesse da biodiversidade e é isso que guia nosso trabalho. Criar uma UC é atividade que requer tempo e esforço hercúleo de convencimento de que aquelas áreas merecem ser protegidas. Muitas foram criadas onde há interesses de mineração, de energia e de agricultura - apontou Mello.