Título: Vai tudo para o agronegócio
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 14/10/2009, O País, p. 4

Palavra de Especialista

João Suassuna - Agrônomo

¿O projeto é desnecessário porque o Nordeste tem muita água acumulada em suas represas.

São 37 bilhões de metros cúbicos, o maior volume represado em uma região semiárida do mundo. O que falta é fazer essa água andar, chegar às torneiras.

Meu temor é que com as águas do São Francisco aconteça a mesma coisa.

Elas podem chegar às represas, mas permanecer longe das torneiras caso não haja uma política adequada de distribuição. A água, com certeza, vai para o agronegócio, para as indústrias, para as fazendas de criação de camarão.

Mas não sabemos se chegará às residências do homem pobre da caatinga. O Nordeste tem 70 mil barragens, e a água não circula nas comunidades rurais e muitas vezes passa longe das áreas urbanas.

¿Há alternativas (à obra de transposição) que poderiam poupar o Rio São Francisco. Em 2006, a Agência Nacionalde Águas elaborou o Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano. Se ele fosse seguido, o alcance social seria muito maior e o custo, muito menor. Pelo Atlas, 35 milhões de nordestinos seriam abastecidos e se gastariam R$ 3,3 bilhões.

A transposição vai exigir investimentos de R$ 6,3 bilhões, para beneficiar 12 milhões de pessoas. A grande pergunta é quando a água chegará a essas pessoas. O curioso é que o que está previsto no PAC é a transposição, e não o Atlas. O problema das autoridades brasileiras, ao que parece, é uma deficiência na matemática.

¿Os riscos ambientais são outro problema.

Não sabemos o que vai acontecer. Os riscos, com certeza, não são pequenos.

Os estudos de impacto ao meio ambiente foram feitos nas bacias que vão receber a água. Mas se esqueceram de fazer um estudo sistemático nos locais onde ela será retirada.¿