Título: O câmbio num beco sem saída
Autor: Beck, Martha; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 10/10/2009, Economia, p. 19

Governo não vê como impedir alta do real. Exportador teme dólar a R$ 1,60

BRASÍLIA e RIO Com as mãos amarradas. Essa é a sensação da equipe econômica diante da valorização excessiva do real frente ao dólar. O otimismo global com o Brasil ¿ provocado pela rápida recuperação da economia após a crise e pelo potencial de novas oportunidades como pré-sal e Olimpíadas ¿ está causando desconforto. A avaliação dos principais integrantes do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) é que não há hoje instrumentos disponíveis para fazer frente à enxurrada de investimentos estrangeiros previstos para o país. Além disso, há receio de se tomar uma atitude que passe a impressão de que o câmbio flutuante será abandonado.

No Ministério da Fazenda, a maior preocupação é com a competitividade das empresas brasileiras. No BC, existe o temor de que se crie um rombo nas contas externas do país.

Para 2009, a autoridade monetária projeta um déficit em transações correntes (trocas com o exterior como balança comercial, remessas, pagamento de juros) de US$ 18 bilhões ¿ estava em pouco mais de US$ 9 bilhões em agosto ¿ e, para 2010, de US$ 29 bilhões.

A equipe econômica avalia que um dólar na casa de R$ 1,60 não seria saudável para a economia. Ontem, a moeda americana fechou a R$ 1,737 e, este ano, já acumula baixa superior a 25%. Foi a maior queda registrada pelo dólar frente a outra moeda este ano num ranking de dez divisas de países ricos e em desenvolvimento.

E mais: segundo técnicos do governo, o dólar em torno de R$ 1,70 já pode ser comparado à cotação de R$ 1,50 do qual o câmbio se aproximou no período pré-crise e que já preocupava fortemente o governo.

O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, espera um cenário sombrio para os exportadores brasileiros. Ele prevê que o dólar vá chegar a R$ 1,60, aproximando-se das cotações pré-crise.

¿ Mas a diferença em relação àquela época é que agora o preço das commodities está baixo, e o mercado mundial, ainda desaquecido. Temos de lembrar que o Brasil oferece o que todo investidor quer: segurança com reservas internacionais na casa dos US$ 230 bilhões e juros altos na comparação internacional ¿ afirma.

O problema é que a equipe econômica acredita que instrumentos clássicos de política cambial ¿ controle de capitais, taxação, compras no mercado, estímulos e tributação no comércio exterior ¿ têm potencial limitado. Um exemplo está no resultado da atuação do BC no mercado de câmbio. A autoridade monetária vem aumentando suas intervenções desde maio, de mais de US$ 2 bilhões ao mês ¿ compras inclusive acima do saldo do fluxo cambial. Ou seja, o BC tem comprado mais dólares no mercado do que tem entrado de fato, deixando claro que também há um movimento especulativo a ser enfrentado.

O diretor de Câmbio da corretora Fair, Mário Battistel, lembra que investidores estão fazendo operações no mercado futuro, apostando ainda mais na valorização do real: ¿ O mercado vai testar o patamar de R$ 1,70. Os recursos estão entrando, e o BC tem de duelar com o mercado também.

Em setembro, o BC comprou no mercado US$ 3,481 bilhões, 155% a mais que o fluxo total e o maior movimento do ano. Entre maio e o mês passado, a autoridade monetária já engordou as reservas internacionais em US$ 14,265 bilhões. Somente em outubro, foram US$ 7,395 bilhões, movimento influenciado pela oferta de ações do Santander, ocorrida na terçafeira e que movimentou US$ 7 bilhões.

Quinta-feira, o BC engordou as reservas em US$ 5,021 bilhões, fechando ontem a US$ 231,589 bilhões e reforçando ainda mais seu recorde histórico.

Do lado da Fazenda, a situação também não é fácil. A avaliação é que o controle de capital ¿ imposição de prazo ou condições para saída do investimento ¿ não funciona porque a entrada de dinheiro é via operações com derivativos, que podem ser feitas no exterior por meio dos bancos.

Politicamente, abre espaço para discussões ideológicas em período préeleitoral.

A restrição fiscal também torna complicada a adoção de medidas de estímulo às exportações.

Além disso, a experiência mostra que cobrar imposto sobre a entrada de dólares não é eficaz, porque os juros elevados (8,75% ao ano; embora o patamar mais baixo do Brasil, muito alto para os padrões internacionais) continuariam deixando o mercado brasileiro atraente. Quando impôs a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimentos estrangeiros em fundos de renda fixa, o governo não conseguiu influenciar a cotação da moeda americana.

Battistel, da Fair Corretora, lembra que outras estratégias já tentadas pelo governo tampouco surtiram efeito, como, por exemplo, permitir que os exportadores mantenham seus dólares no exterior por um prazo maior.

¿As empresas acabam trazendo os recursos para cá pois ganham com os juros daqui.

Na sua opinião, a medida de maior eficácia é mesmo a compra de dólares no mercado: ¿ Mas isso tem um custo elevado, porque aumenta o endividamento do país (o governo precisa emitir títulos para enxugar os reais usados para comprar os dólares) ou causa um problema fiscal.

Para o professor da USP Fábio Kanzuc, a única medida realmente eficaz é o controle de capitais.

¿O problema é que isso tem custos econômicos, mancha a imagem do país e afasta investidores. E para quê? Eu realmente acho que o câmbio deve ser livre.