Título: Brasil se esconde atrás de país pobre
Autor: Beck, Martha; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 11/10/2009, Economia, p. 28

Para especialista, governo brasileiro deve abandonar discurso Norte-Sul e se comprometer com metas de emissões de CO2

O professor de Relações Internacionais da UnB Eduardo Viola diz que a crise global tende a favorecer as negociações climáticas, uma vez que o G-20, responsável por 90% das emissões de CO2, virou o centro da governança econômica mundial. Ele ressalta, porém, que o Brasil tem de deixar de lado o discurso da divisão do mundo em Norte e Sul, e se comprometer a reduzir emissões. Autor de artigos que relacionam economia política internacional e mudanças climáticas, Viola é cético quanto à Conferência de Copenhague. E diz que tarifas sobre produtos intensivos em carbono, pretendidas por EUA e Europa, podem ser efetivas para mitigar alterações do clima, mas há riscos de uma guerra comercial. ¿Pode ser que imponham tarifas além das necessárias, com interesses protecionistas ocultos¿.

O GLOBO: A crise internacional levou à institucionalização do G20 (principais economias do mundo) como fórum de discussão para questões econômicas. Isso pode levar a um avanço nas questões climáticas? EDUARDO VIOLA: A discussão multilateral é muito representativa, mas pouco eficiente.

Quando há muitos atores, o que se faz é um mínimo comum porque não há responsabilidade diferenciada entre eles. O mais eficiente é quando os atores relevantes estão negociando, o plurilateralismo. O G-20 é menos representativo (que a ONU, por exemplo), mas muito mais eficiente. Os países que o integram respondem por cerca de 90% das emissões de CO2 do mundo. A substituição do G-8 pelo G-20 como centro da governança econômica é um avanço extraordinário para todas as questões que dependem de cooperação internacional.

Além disso, os pacotes fiscais de países como EUA, Reino Unido, China e Coreia do Sul iniciaram a transição para economias de baixo carbono, por meio do aumento dos investimentos em energia solar e eólica ou subsídios para carros mais eficientes. Isso era impensável há alguns anos.

No Protocolo de Kioto VIOLA: ¿O governo fala da irresponsabilidade dos outros, não da nossa¿ (1997) os países emergentes não tiveram que se comprometer com metas de redução de emissões de CO2. Isso ainda se sustenta? VIOLA: Esse protocolo não funciona por isso. Ele dividiu o mundo em duas categorias.

Isso fez com que os países médios se tornassem irresponsáveis, escondendo-se atrás dos pobres. China e Brasil têm emissões de CO2 per capita na faixa de cinco a seis toneladas por ano. Mais que a França. E se escondem atrás de Congo e Bolívia, cujas emissões são de até duas toneladas por ano.

Como teria de ser essa divisão? VIOLA: O mundo tem ao menos três categorias. Os países ricos deveriam cortar suas emissões de CO2 entre 30% e 40% a partir de 2020 (ano-base 1990). Os países médios teriam de reduzir a curva de crescimento de emissões até 2015, estabilizá-las entre 2015 e 2020 e, então, reduzi-las. E os países pobres teriam fôlego para crescer até 2030. A partir daí, deveriam reduzir a curva de crescimento das emissões.

O governo brasileiro mantém a posição adotada na Rio92, com o discurso da divisão do mundo Norte-Sul...

VIOLA: Toda negociação climática foi prisioneira do G-77 (que reúne países como China e Índia, com as maiores taxas de crescimento de emissões de CO2) e de uma política externa NorteSul. O Brasil como líder do Sul. É o discurso típico brasileiro.

Quando lhe convém, diz que é pobre. O Brasil não é pobre nem rico, é um país de renda média. O governo fala da irresponsabilidade dos outros, não da nossa irresponsabilidade.

Só nos últimos meses isso vem mudando.

O que o senhor acha da proposta brasileira de redução de desmatamento? VIOLA: Não há compromisso oficial até agora. O Plano Nacional de Mudança Climática (lançado em dezembro de 2008) fala em reduzir em 70% o desmatamento em 2017, comparado ao quinquênio 20002004. Já o reduzimos de 20 mil quilômetros quadrados para 13 mil quilômetros quadrados desde então. Mas estamos aumentando a termoeletricidade e as emissões de metano, por causa da pecuária. Há uma mudança de perfil das emissões.

O desmatamento respondia por 70% delas em 2000.

Hoje, responde por cerca de 47%. A pecuária é responsável por 25% e indústria/eletricidade, por 25% a 28%.

Na última semana, 22 empresas do país firmaram compromisso para inventariar suas emissões de CO2. É suficiente ou apenas um primeiro passo? VIOLA: As ações são diferenciadas.

Há algumas empresas na vanguarda, como a Natura.

Há empresas intensivas em carbono, cuja retórica de redução de emissões não corresponde à prática, como a Petrobras. Já a Vale tem posição intermediária.

Quais os cenários para a Conferência de Copenhague (que será realizada em dezembro)? VIOLA: EUA e China são decisivos para que se chegue a um acordo. Mas (o presidente dos EUA, Barack) Obama não teve força suficiente para se engajar em uma posição mais avançada. O Congresso está dividido. Pode ser que haja um acordo simbólico, sem compromisso com metas, ou um acordo medíocre, com metas semelhantes às de Kioto. Um acordo efetivo, que aproxime economia política da ciência, não acredito.

O que seria efetivo? VIOLA: Além do compromisso de emergentes e pobres de que já falamos, seria a criação de um fundo global para financiar a mitigação da mudança climática nos países pobres.

Também é preciso o compromisso dos países ricos com a transferência de tecnologia de baixo carbono para os demais.

Mas isso não tem a menor chance de acontecer.

Em EUA e Europa, há discussões para imposição de tarifas a produtos de acordo com a intensidade de carbono.

É uma nova forma de protecionismo? VIOLA: Se China e Índia se mantiverem resistentes, e Europa e EUA avançarem na direção de uma economia de baixo carbono, a tendência é que isso se imponha, o que pode ser efetivo em relação à mudança climática. Por outro lado, pode ser que eles (EUA e Europa) imponham tarifas além das necessárias, com interesses protecionistas ocultos, o que pode gerar uma escalada de guerra comercial.

Isso seria muito negativo para a cooperação internacional e a governabilidade do mundo.