Título: País teria R$ 10 bi com ação antidesmatamento
Autor: Beck, Martha; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 11/10/2009, Economia, p. 28

Ganha força no governo proposta polêmica de permitir que redução da degradação florestal no Brasil gere créditos de carbono

BRASÍLIA. A dois meses da cúpula das Nações Unidas sobre mudanças climáticas ¿ que vai definir o acordo que substituirá o Protocolo de Kioto ¿ os ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente (MMA) se uniram em torno de uma proposta para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa no Brasil e incluir o país no mercado bilionário de créditos de carbono. A ideia é permitir que ações para reduzir o desmatamento e a degradação de florestas gerem créditos de carbono, ou seja, receita ¿ estimase R$ 10 bilhões ¿ para o país financiar projetos de preservação da Amazônia. As pastas de Ciência e Tecnologia e Relações Exteriores se opõem ao mecanismo, ainda não regulamentado nos fóruns internacionais.

Segundo estudo da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, o Brasil é o quarto maior causador mundial de gases do efeito estufa devido às emissões do setor florestal. Estimase que o desmatamento na Amazônia represente 2,5% das emissões globais.

No entanto, a preservação dessas áreas não é compensada, o que torna a participação do país no mercado de carbono ¿ que movimentou US$ 120 bilhões em 2008 ¿ tímida. A concessão desses créditos poderia trazer ao país mercado potencial de mais de R$ 10 bilhões.

Alimentos: aquecimento levaria a perdas de R$ 14 bi O estudo da Fazenda defende que a ação brasileira seja firme, considerando que o aquecimento global pode comprometer a produção de alimentos no Brasil. Isso levaria a perdas de até R$ 7,4 bilhões em 2020, atingindo R$ 14 bilhões em 2070.

Outra proposta que Fazenda e Meio Ambiente querem emplacar na reunião da ONU é que o Brasil assuma um compromisso de reduzir as emissões. O argumento seria usar essas ações como moeda de troca com nações mais desenvolvidas para que elas se comprometam a reduzir de forma mais robusta suas emissões a partir de 2012, quando termina a vigência de Kioto. Mas o assunto não é consenso no governo.

De um lado, estão Fazenda e Meio Ambiente (até agora isolado nas discussões) e do outro, Itamaraty e Ciência e Tecnologia.

Estes últimos são contra a inclusão de florestas no mercado de carbono, temendo que o instrumento derrube os preços dos créditos no mercado mundial. E, para Ciência e Tecnologia, a fórmula não ajuda a inverter o principal: mudanças climáticas.

No caso do Itamaraty, também há o temor de que o compromisso brasileiro na área ambiental fragilize o país em outras negociações comerciais. Na convenção da ONU, cabe ao Brasil promover ações para reduzir a taxa de aumento de suas emissões, sem a fixação de metas.

Esses dois ministérios não apoiaram o MMA quando este decidiu fixar metas internas de redução do desmatamento no Plano Nacional de Mudança do Clima, apresentado na cúpula da ONU no fim do ano passado.

A secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Khan, afirma que o viés econômico dado pela Fazenda reforça os argumentos: ¿ O estudo da Fazenda não nos diz nada que o bom senso já não nos dizia. Mas quando você coloca números dá mais fundamentação. Sai da retórica para o mundo real. Quando você contabiliza as perdas econômicas associadas com as perdas agrícolas que o país pode ter, mobiliza mais esforços para resolver o problema.

O governo agora terá elementos para definir prioridades.

Para a secretária, o engajamento da área econômica indica que a variável ambiental entrará na política de governo: ¿ É um movimento sem volta.

O problema das mudanças climáticas não é para nossos netos. É preocupação do aqui e agora, nossa, do nosso tempo.

As equipes do Itamaraty e da Ciência e Tecnologia, porém, argumentam que se o Brasil emplacasse o certificado de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) no mercado de crédito de carbono, poderia abrir uma brecha para que outros países façam o mesmo com outros mecanismos, desregulando o mercado. A Venezuela, por exemplo, poderia cobrar por deixar de explorar reservas de petróleo.

Brasil não monitora desmatamento nos biomas Outro problema estaria no fato de o REDD ainda não ser um mecanismo regulamentado na convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas. Embora isso possa acabar ocorrendo na reunião de Copenhague, as discussões esbarram em divergências entre os países do grupo de trabalho que elabora o texto a ser apresentado na convenção. Por isso, caso o tema seja proposto pelo Brasil, colocaria a discussão na estaca zero e comprometeria as negociações.

Outro problema seria o Brasil não estar preparado para garantir que, se receber dinheiro externo para evitar o desmatamento, a prática deixará de acontecer em todo o território.

Isso porque não há monitoramento do desmatamento em todos os biomas. Só a Amazônia é monitorada. O que acontece no Cerrado, na Caatinga e na Mata Atlântica não se sabe ao certo.

O Ministério do Meio Ambiente já anunciou que vai monitorar todos os biomas e que terá metas de redução de desmatamento para cada um, mas o processo ainda não começou.

Nas próximas semanas, o governo definirá uma linha de ação para Copenhague. A cúpula que define essa linha é formada por Ciência e Tecnologia, Itamaraty e Meio Ambiente, mas há pressão para que a Fazenda também seja protagonista no debate.