Título: Jeitinho de manter o salário
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2009, Política, p. 2

Políticos derrotados conseguem se manter na Câmara em cargos de confiança. Mas alguns nem aparecem na Casa

Torgan: ex-deputado, mas com rotina de parlamentar dentro da Câmara, onde tem até um assessor Perder a disputa pela reeleição na Câmara não significa ficar longe da folha de pagamento do Congresso. Ex-deputados que amargaram a derrota nas urnas nas últimas votações são colocados em cargos de confiança das lideranças partidárias com os maiores salários disponíveis. Como se não bastasse, alguns conseguem até a liberação do trabalho. É o caso de Almir Sá, que foi deputado por Roraima de 1999 a 2002 e, em 2003, assumiu como suplente. Filiado ao PR, Sá recebeu o apoio da legenda que até o ano passado tinha seu conterrâneo Luciano Castro como líder.

O ex-parlamentar é bem conhecido pelos funcionários da liderança, mas nenhum o viu trabalhando. O atual líder da legenda, Sandro Mabel (GO), justifica a ausência do servidor com o antigo argumento de realização de ¿trabalhos externos¿. ¿Não dá para colocar uma pessoa do nível do ex-deputado sentado no gabinete. Ele fica fora, fazendo articulações para nós junto a ministérios e outras coisas¿, disse.

Visto pelos corredores da Câmara apenas duas vezes por semana, o ex-deputado Moroni Torgan (CE) integra a lista de funcionários do DEM. Com o salário de R$ 9,5 mil, o ex-parlamentar ganhou o direito a uma vida parecida com a dos tempos em que tinha um mandato. Um assessor foi designado para ¿acompanhá-lo¿. É ele quem recebe os recados e repassa a Torgan as demandas e o resumo dos acontecimentos no Congresso enquanto o ex-deputado está no estado. A propósito, a frequência do ex-parlamentar na Casa é semelhante a dos atuais mandatários. Segundo relatos dos servidores da liderança do partido, o ex-deputado cumpre a agenda de congressista: chega a Brasília geralmente às quartas-feiras, circula pelas comissões e ministérios e retorna ao Ceará na quinta-feira à noite. No gabinete da liderança, passa apenas para assinar o ponto. O que, de acordo com os relatos, pode acontecer uma única vez por semana.

A reportagem não encontrou Torgan na Câmara durante os últimos dias. Mas cumpriu o ritual dos que tentam um contato com o ex-deputado. Falou com seu assessor, Paulo Dutra, que prometeu repassar o recado quando ele chegasse à capital federal na próxima quarta-feira. De acordo com Dutra, Torgan tem muitas funções na liderança. Faz articulações nos ministérios e prepara propostas referentes à segurança pública para serem apresentadas pela legenda. Graças ao emprego no Legislativo e às negociações para tentar a disputa por uma vaga de deputado em 2010, o cearense licenciou-se da Polícia Federal.

Ponto No gabinete da Presidência da Câmara está o ex-deputado pelo PV Sidney de Miguel. Ele é desconhecido da maioria dos funcionários da Presidência, mas assina o ponto diariamente. Para confirmar se ele trabalhava mesmo onde está lotado, dois servidores levaram exatos 10 minutos procurando em listas e telefonando para colegas à procura do ex-deputado. Até que, enfim, encontraram. ¿Aqui, consta que ele é assessor. Deve ser assessor mesmo¿, dizia um. ¿Dá o celular dele para a repórter, melhor do que ela ficar aqui esperando e procurando por ele¿, argumentava a outra. Decidiram fornecer o telefone, já que um terceiro servidor apareceu dizendo que ¿o doutor Sidney não estava na mesa dele¿. A reportagem não encontrou o ex-deputado no número fornecido e Miguel não retornou aos recados deixados na Presidência.

A assessoria da Presidência informou que o funcionário trabalha e que permanece no cargo a pedido do PCdoB, partido para o qual presta assessoria na área de meio ambiente. A assessoria disse ainda que o presidente Michel Temer (PMDB-SP) atendeu um pedido do partido mantendo Miguel, mas na ocasião informou que seria por um período determinado para a conclusão dos trabalhos já iniciados. O prazo dado por Temer termina em julho. Sidney Miguel foi nomeado no cargo pelo ex-presidente Aldo Rebelo (PCdoB-SP), em 2006. Apesar da proximidade com os comunistas, foi pelo PV que ele conseguiu seu único mandato, de 1990 a 1994.