Título: Tijolo por tijolo
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Globo, 17/10/2009, Opinião, p. 7
A evolução da indústria da construção civil nos últimos anos revela como um conjunto de medidas de melhora do ambiente econômico e de aperfeiçoamento da segurança jurídica pode resultar em grande impulso ao desenvolvimento do país. Entre 2003 e 2006, o governo federal e entidades representativas da indústria e do crédito imobiliário sentaram-se à mesa para enfrentar os obstáculos ao crescimento do mercado habitacional, que vivia, então, uma estagnação preocupante.
Como resultado, duas leis e um conjunto de decretos e resoluções passaram a atacar três categorias de problemas: tributação, crédito e garantias ao financiador e ao mutuário. No plano dos tributos, a ideia geral foi de tornar mais simples a sistemática de impostos incidentes sobre a incorporação, o financiamento e a transação de imóveis, de modo a inibir a informalidade.
Já em relação ao crédito regulamentouse a criação de novos instrumentos e novos incentivos para os mecanismos já existentes. Simultaneamente, consolidou-se em lei, num mercado que ainda sentia o trauma do rumoroso caso da Encol, a proteção do mutuário em caso de dificuldades da incorporadora, além de equacionar questões relativas ao financiamento frente à inadimplência.
Finalmente, os custos gerais da construção foram reduzidos com a desoneração de grande parte dos materiais de construção.
O redesenho desses marcos institucionais provocou reação imediata e progressiva. A competência empresarial teve a oportunidade de encontrar rapidamente novos negócios, estruturar seu financiamento bancário e organizar projetos futuros pela via do mercado de capitais.
Hoje, contamos uma dezena de empresas de porte e classe mundiais que servem de referência positiva para uma ampla rede de pequenas e médias firmas por sua qualidade na gestão, e na formalização das relações de trabalho e de comércio.
Do outro lado do mercado, famílias com rendimentos crescentes encontraram maior segurança e confiança no investimento na casa própria. O prolongado controle da inflação e os juros em queda deram importante contribuição para isso.
Depois de cinco anos de crescimento ininterrupto, as perspectivas se mostram ainda mais animadoras.
O programa Minha Casa, Minha Vida, que desenvolve em larga escala o mercado de renda até dez salários mínimos, deu um extraordinário impulso ao setor.
As boas notícias vão continuar com a confirmação da realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no país. A combinação desses importantes eventos com a permanente elevação da renda do trabalho seguirá impulsionando um setor fundamental para a economia por seu peso no investimento nacional e na geração de postos de trabalho.
Enquanto em quase todo o mundo esse é um setor ainda paralisado pelos efeitos da crise financeira, entre nós é um dos carros-chefe da retomada do crescimento. Nada mau para uma indústria antes tida como excessivamente fragmentada, informal e de baixa qualidade técnica. Em 2002, o número de unidades financiadas pelo SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) não ultrapassava 30 mil ao ano.
Hoje, temos um núcleo de empresas sólidas, com gestão profissional e capital aberto, que prevê a construção, em 2009, de 300 mil unidades financiadas com recursos da poupança e outras 400 mil com recursos do FGTS, já refletindo os primeiros efeitos do programa Minha Casa, Minha Vida. O setor já representa 5% do PIB e o crédito imobiliário saltou de 1,8% do PIB, em 2002, para os 4% previstos em 2009. Por essas razões, os agentes do setor já projetam a elevação do crédito imobiliário a 10% do PIB em cinco anos, com a duplicação do porte atual da indústria.
O fato de termos alcançado, a duras penas, o equilíbrio macroeconômico nos poupou dos efeitos mais duros da crise mundial. Agora, vale o esforço de continuar apostando em reformas dessa natureza, com mudanças incrementais no aparato institucional, amparadas no diálogo e no bom senso entre governo e os atores sociais. Uma construção artesanal, tijolo por tijolo, que redesenhe o ambiente de negócios em diferentes setores, no plano da legislação e dos regulamentos, é o caminho seguro e promissor para desencadear novas ondas de empreendedorismo e crescimento econômico.
Depois de 5 anos de crescimento, as perspectivas são ainda mais animadoras
ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.