Título: Para desalojados, obra gera dúvida sobre futuro
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 17/10/2009, O País, p. 13
Cerca de 2.800 famílias terão de deixar suas casas e se dividem sobre valor da indenização a ser paga pelo governo
NAVEGANDO EM ÁGUAS POLÊMICAS: Transposição promete beneficiar 12 milhões de pessoas em toda a região do semiárido
FLORESTA, PE. Encarado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelas autoridades locais como a redenção do Nordeste, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional representa hoje uma mistura de temor e esperança para os nordestinos.
Enquanto o governo promete que a transposição beneficiará 12 milhões de pessoas, a indagação de parte delas é quando essa água realmente chegará às suas torneiras. E, para pelo menos 2.800 famílias, a obra significa o sepultamento do passado e a incerteza do futuro.
Famílias vêm sendo desalojadas para dar passagem aos canais dos eixos Norte e Leste, que levarão as águas do Velho Chico a outras regiões de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Na última quinta-feira, Lula esteve em Floresta, a 439 quilômetros de Recife, para visitar os canteiros daquela que diz ser a mais importante obra do seu governo em implantação no Nordeste. Enquanto as autoridades falavam na necessidade de uma iniciativa já defendida por Dom Pedro II, na comunidade de Serra Negra, a meia hora de Floresta, os moradores veem as escavações se aproximarem com medo. Pedro José da Silva, de 71 anos, afirma que na localidade seis casas ¿vão dançar¿, inclusive a dele.
Silva mora ali há 20 anos.
¿ Estou com receio, já sei que vou ter que sair. Mas a gente não sabe onde vai ficar.
Se derrubarem (a casa), a gente não tem para onde ir. Enquanto não receber (indenização), não saio. Estou no que é meu. E não vão passar as águas do rio por cima de mim ¿ diz, mostrando o terreno já desmatado atrás de casa.
Canal passa por comunidades mas não garante água na bica
Outra preocupação é a de que as comunidades afetadas pelas obras continuem desassistidas.
Maria dos Anjos Silva, de 42 anos, nunca teve água na torneira. Bebe a que chega no carro-pipa e usa a do barreiro para lavar panelas e roupa. A água é a mesma onde porcos, cabras e bois bebem.
Maria mora a 60 quilômetros do São Francisco, mas o canal do Eixo Leste passará atrás de sua casa: ¿ Com o canal passando assim tão perto da gente, tenho esperança de que chegue água para nós. Não podem deixar a comunidade sem água.
Da mesma preocupação compartilha a prefeita de Floresta, Rorró Maniçoba (PSB).
Ela entregou um documento ao presidente Lula pedindo que sejam criados meios de levar a água de transposição a uma área de 35 mil hectares, totalmente irrigáveis, em Serra Negra.
É onde mora Maria.
¿ Não é possível que a água seja captada em Floresta, as tubulações passem direto pelo município e não sobre nem um pingo para nós ¿ diz Rorró.
Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Floresta, Elias Eugênio da Silva lamentava na sexta-feira o fato de não ter tido acesso a Lula para relatar o drama do seu povo: ¿ Ia cobrar dele essa situação.
Todos querem água. Somos até a favor da transposição se a distribuição for democrática.
Mas o problema é que o povo não está sendo respeitado.
Há comunidades onde o Exército chega esburacando a terra, deixando só na pele, e o povo fica sem saber o que fazer.
Elias lembra o caso da comunidade de Angicos, a 90 quilômetros de Floresta. No local há duas barragens, único meio de abastecimento das 50 casas do vilarejo. Mas elas ficaram do outro lado do canal.
¿ Para buscar água hoje, só nadando ou de barco ¿ ironiza Elias.
Ministro diz que não há motivo para temor
Para o sindicalista, os critérios de avaliação dos imóveis não têm sido claros.
¿ A Justiça e o governo precisam ter mais humanidade.
Não podem chegar assim, bagunçando tudo ¿ reclama.
Para o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, não há motivo para pânico. Segundo ele, o governo deu duas opções às famílias desalojadas: indenização em dinheiro ou relocação em vilas produtivas.
¿ Todos foram compensados como determina a lei.
Esse, no entanto, não é o entendimento de comunidades indígenas dos municípios de Santa Maria da Boa Vista e Orocó (PE) e Curaçá (BA), onde serão construídas as barragens de Pedra Branca e Riacho Seco, que integram o sistema. Elas anunciam a deflagração de uma campanha que buscará, por meio de manifestações públicas, pressionar o Supremo Tribunal Federal para que julgue ações pendentes contra a transposição.