Título: Muito longe do ideal
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2009, Brasil, p. 7

Centros de atendimento psicossociais (caps) foram concebidos como principais substitutos dos tradicionais manicômios. Só cobrem, porém, 55% do país. E grande parte sofre com avaliações negativas. Júlio entre os pais, Leidener e Marta: apesar da agressividade constante, é mantido em casa com a família. Vinicius, 7 anos: problema mental ainda não identificado e tentativa de suicídio Um tapa na cara da psicóloga antecipou a informação que Leidener da Rocha Sardinha temia ouvir. Não há atendimento para seu filho no local que, segundo a lei, deve tratar preferencialmente os doentes mentais com problemas graves e persistentes. Criados para serem os principais serviços substitutivos aos manicômios, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) cobrem apenas 55% do país, com indicadores que variam de regular a crítico em 10 unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal (veja o quadro). A falta de assistência transforma a vida do aposentado de 62 anos, e da esposa, Marta Regina, em uma eterna angústia. Eles têm medo de, a qualquer momento, apanhar de Júlio, vítima de lesão cerebral com heteroagressividade.

O distúrbio do rapaz de 30 anos faz com que ele agrida as pessoas sem levar em conta as consequências. ¿Já apanhamos muito, mas eu amo meu filho, nunca deixarei de cuidar dele¿, diz Marta Regina. Mesma dedicação tem o pai do garoto, que depois de cinco anos internado voltou para casa há seis meses, mas sem suporte clínico. ¿Demos graças a Deus quando o Júlio saiu do hospital. Aí fui levá-lo ao Caps sabendo que, no fundo, não dariam conta dele. Logo na primeira consulta, ele deu um tapa na psicóloga e ela, embora educada e compreensiva, disse que o caso dele é muito complexo para ser tratado lá¿, lamenta Sardinha.

¿A verdade é que os Caps só querem doentes `lights¿¿, reclama Zorete Andrade, presidente da Associação de Familiares, Amigos e Doentes Mentais do Brasil. Apesar da falta de assistência, a família Sardinha não pensa em reinternar Júlio. ¿O diretor da clínica que atende pelo SUS disse que a única forma de aceitá-lo é colocando-o numa sala junto com esquizofrênicos e dependentes químicos¿, conta Marta. A maior preocupação dos pais de Júlio, que tem idade mental muito atrasada, mas conserva a força de um rapaz de 30 anos, é com o futuro dele. ¿Estamos ficando velhos. Quem é que vai cuidar do nosso filho? Ninguém, a não ser nós mesmos, aguentaria¿, constata Sardinha.

Vinicius* é outro grande desafio para a política de saúde mental no país. Com apenas 7 anos, sorriso de dentes definitivos ainda crescendo, o menino tentou se enforcar com as mangas de uma blusa de frio. O Caps de Alvorada (RS), onde morava, não conseguiu tratá-lo. Então Vinicius foi encaminhado para um centro de internação na capital gaúcha. Em meio às outras crianças, os sinais de um problema ainda não definido pela equipe médica surgiram. Tudo que fazia, Vinicius apontava como o pior. Seus desenhos eram os mais feios, suas pinturas, as roupas que vestia.

Em tratamento há cerca de um mês, o menino começa a apresentar melhoras. Tornou-se menos introvertido, fez amizades. Quanto aos planos sobre o futuro, não economiza na imaginação. ¿Quero ser motorista de moto e também um herói. O morcego Batman¿, escolhe. Os profissionais que acompanham Vinicius já começam a ter outra preocupação. Não sabem se haverá atendimento para ele após a desinternação. ¿A rede voltada para a criança de forma geral, e particularmente na saúde mental, ainda é muito frágil. Se esses meninos não forem tratados agora, se tornarão adultos mais doentes¿, diz Tatiana Vianna, psicóloga do centro onde Vinicius passa por tratamento.