Título: Judiciário deve atuar no vácuo do Congresso
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 20/10/2009, O País, p. 4
Advogado-geral da União diz ter espírito conciliador e estar se despedindo de noitadas para ser ministro do STF
ENTREVISTA José Antonio Toffoli
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que sexta-feira toma posse como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), defende que a Corte atue em casos de omissão do Congresso. Cita como exemplo a greve dos servidores públicos e a aposentadoria especial dos servidores ¿ direitos previstos na Constituição que os parlamentares ainda não regulamentaram.
O advogado deu entrevista em sua casa, no Lago Norte, bairro nobre de Brasília, onde ouvia um CD da banda inglesa Emerson, Lake & Palmer. Aos 41 anos, Toffoli, que já foi advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diz que vai trocar as noitadas da capital pela toga.
Mas está convencido de que é uma decisão necessária.
¿Sem dúvida, vou perder muito da minha juventude para me dedicar à nação. É uma opção de vida¿, diz.
O GLOBO: O STF tem recebido críticas por legislar quando o Congresso é omisso. É esse o papel da Corte?
JOSÉ ANTONIO TOFFOLI: A Constituição diz que, quando não há regulamentação de um direito previsto na própria Constituição, o Judiciário pode atuar. Quando se deparou com uma ação sobre o direito de greve do servidor público pela primeira vez, salvo engano em 1993, o Supremo não regulamentou.
Imaginava-se que o Congresso levaria no máximo dez anos para regulamentar. Agora, a Constituição já tem mais de 20 anos. Não me impressiona o fato de que o Supremo está avançando em certas situações que são de competência do Congresso Nacional, por conta do tempo passado. É uma coisa lógica.
Há dezenas de artigos na Constituição ainda não regulamentados.
O senhor acha que o Congresso está sendo omisso?
TOFFOLI: A não regulamentação também é uma decisão política.
É por isso que a atuação do Supremo nessas hipóteses tem que ser de muita responsabilidade e cuidado, para não avançar. A da lei de greve dos servidores foi uma questão em que a sociedade exigia uma regulamentação.
O Supremo julgou olhando para a Constituição e para a realidade social.
O senhor se lembra de outros artigos da Constituição que o Congresso deveria regulamentar logo?
TOFFOLI: A aposentadoria especial para o servidor público que atua em situações de periculosidade e insalubridade.
Isso tem gerado uma enormidade de ações no Supremo. É um direito expresso na Constituição, mas não regulamentado.
E também a lei que trata da regulamentação da criação de municípios. Por ausência de regulamentação, o tema acaba criando conflitos jurídicos que vão parar no Supremo.
Acho que são casos para o Congresso dar prioridade.
Na sua opinião, o juiz deve julgar olhando para as ruas?
TOFFOLI: O juiz tem que julgar olhando para a Constituição em primeiro lugar, para as leis do país e para a realidade social. É um pouco de tudo.
O anseio do povo também?
TOFFOLI: O que o povo anseia não pode ser ignorado por um juiz, mas não pode ser a condução da posição de um juiz.
Eu dou mais valor à História do que ao momento atual.
Olhar só para a conjuntura, só para um momento específico, pode levar a equívocos.
O salário do STF hoje é de R$ 24.500. Recentemente, o Congresso aprovou um aumento de 9%. É um salário justo?
TOFFOLI: Essa questão é muito complexa, pela demanda de trabalho e pela relevância dele.
A atual composição salarial da magistratura é digna para as funções. Há uma remuneração condigna para que a pessoa possa ter um padrão elevado de vida, dentro de um contexto da nação brasileira.
O senhor sempre foi advogado.
Vai ser fácil virar juiz?
TOFFOLI: A questão não é ser fácil ou ser difícil, é estar convencido de que sua vida mudou.
É como quem vai para a vida religiosa e muda de nome.
E, no Supremo, a tradição é mudar de nome. Como ministro, escolhi ser Dias Toffoli, nome pelo qual ninguém me conhece.
Você muda de vida.
Que mudanças pretende promover em sua vida pessoal?
TOFFOLI: Tudo o que fizer na vida eu tenho que pensar no STF e nos meus colegas de instituição.
Tenho que ter um respeito por essa instituição centenária, que é a cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Vou acabar perdendo muito a liberdade para poder defender a liberdade dos outros. Por exemplo, a liberdade que se tem de ir tomar uma cerveja num bar, de ir a uma danceteria. Terei que mudar, porque as pessoas não verão um cidadão, verão um integrante da mais alta Corte.
Isso não o deixa triste?
TOFFOLI: Sem dúvida, vou perder muito da minha juventude para me dedicar à nação.
É uma opção de vida. Até pouco tempo, eu ia ao Gate¿s (pub da capital), ao Bar Brasília.
No Supremo, muitos ministros discutem em público e não se falam. Esse ambiente dificulta sua chegada?
TOFFOLI: Eu me acostumei a viver com a diversidade. Eu sou o oitavo de nove irmãos. Eu já nasci num colegiado. Procurarei fazer no STF o que sempre fiz em casa, que é tirar o de bom de cada um. Nunca destacar os defeitos, e sim as virtudes de cada um.