Título: Renan e seu voo de fênix
Autor: Azedo, Luiz Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2009, Política, p. 4

Hábil, obstinado e temido, o alagoano renasceu das cinzas após quase perder o mandato e, com a CPI da Petrobras, volta a dar as cartas no Senado

Fernando Collor (c) e Renan Calheiros (d) em janeiro de 1990, durante o anúncio de Bernardo Cabral como ministro da Justiça Os inimigos o comparam a Joseph Fouché, ardiloso político francês que sobreviveu a todas as crises e, por sua grande habilidade, manteve-se no poder a todo custo, independentemente de quem estivesse no comando, fosse Robespierre ou Napoleão. Ambos foram ludibriados por Fouché, um ator político que não fazia discursos inflamados ou grandiosos, mas atuava com desenvoltura nos bastidores. Há um misto de inveja e ressentimento na perversa comparação, pois a trajetória do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), 53 anos, registra momentos de derrota e ostracismo político. Além disso, revela um político capaz de se reconciliar com os desafetos e estender a mão aos adversários que derrotou.

Várias vezes, Renan demonstrou que é capaz de renascer das cinzas como a fênix. Emergiu no centro da política nacional como o líder do governo Collor de Mello, em 1990. Ambos têm uma relação de amor e ódio. Alternam disputas políticas ferozes e alianças imbatíveis, desde quando o ex-presidente da República era o jovem prefeito nomeado de Maceió e Renan um combativo deputado estadual do antigo MDB, mas ligado ao clandestino Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Vem dessa época a sólida amizade com o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ex-presidente da Câmara dos Deputados e ex-ministro das Relações Institucionais, uma dobradinha que deu as cartas no Congresso no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ostracismo Renan é um prodígio de estrategista político e capacidade de dar a volta por cima quando as coisas dão errado. Está de volta ao centro da política nacional, depois de um ano de ostracismo político, provocado por sua renúncia à Presidência do Senado numa crise cujo estopim foi uma relação amorosa fora do casamento. Mas escapou de dois pedidos de cassação, pelo voto secreto da maioria dos senadores, graças ao poder de liderança e à capacidade de articulação. Faz política como um grande mestre do xadrez. Fez parte do chamado ¿grupo da China¿, os companheiros de viagem de Fernando Collor de Mello que convenceram o então governador de Alagoas a transformar sua imagem de ¿caçador de marajá¿ numa marca nacional vitoriosa, que o levou ao Palácio da Alvorada.

De igual maneira, Renan foi um dos responsáveis pela ¿desconstrução¿ da imagem de Collor e seu impeachment, juntamente com o falecido irmão do ex-presidente da República, Pedro Collor. O rompimento político foi provocado por uma derrota eleitoral em Alagoas, cuja responsabilidade atribuiu ao empresário Paulo Cesar Farias, ex-tesoureiro de campanha de Collor de Mello, que financiou a campanha de Geraldo Bulhões ao governo do estado.

Ambos estão juntos novamente. Collor recuperou os direitos políticos e se elegeu senador em aliança com Renan. Graças ao líder do PMDB, assumiu a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, depois de uma queda de braços com a nova líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC). Agora, Collor é o representante do PTB na CPI da Petrobras e promete atuar com isenção. Renan e Collor têm um pacto de poder em Alagoas, pelo qual o líder do PMDB será candidato a governador, com o apoio do ex-presidente da República, contra o tucano Teotônio Vilela Filho, candidato à reeleição. Se Renan resolver concorrer novamente ao Senado, Collor disputará o governo alagoano.

-------------------------------------------------------------------------------- Linha do tempo

1977 Começa a carreira política como líder estudantil na Universidade Federal de Alagoas. Simpatizante do clandestino PCdoB, partido no qual seu irmão Renildo Calheiros, o atual prefeito de Olinda, é vice-presidente, filia-se ao antigo MDB.

1978 Eleito deputado estadual pelo MDB, após a reforma partidária de 1979, torna-se líder da bancada do PMDB e ferrenho adversário do então prefeito nomeado de Maceió, Fernando Collor de Mello.

1982 Completa o curso de direito e se elege deputado federal pelo PMDB, votando a favor de todas as reivindicações dos trabalhadores. Estava de licença no dia da votação da emenda Dante de Oliveira (Diretas Já), em 25 de abril de 1984.

1985 Vota a favor de Tancredo Neves no colégio eleitoral que elegeu o mineiro presidente da República, em 15 de janeiro de 1985. Com a morte de Tancredo, assume o vice-José Sarney. Perde a disputa pela vaga de candidato a prefeito de Maceió para Djalma Falcão.

1987 Participa da famosa viagem do então governador Fernando Collor de Mello à China, na qual o ex-presidente da República, o jornalista Cláudio Humberto, o ex-deputado Cleto Falcão e Renan traçaram a estratégia para chegar ao poder pelo voto direto na sucessão do presidente José Sarney.

1988 Foi um dos fundadores do PSDB, partido que logo abandona para se filiar ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN), legenda criada por Collor para se candidatar a presidente da República.

1990 Logo após a posse de Collor na Presidência da República, assume a liderança do Congresso Nacional. Sua primeira missão foi defender o confisco das cadernetas de poupança. Deixa a liderança do governo para se candidatar ao governo de Alagoas. Perde a eleição para Geraldo Bulhões, mas acusa o governador eleito de ter fraudado a eleição, com a ajuda do ex-tesoureiro da campanha de Collor Paulo Cesar Farias.

1992 Derrotado em Alagoas, sem o mandato, fora do PRN, acusa PC Farias de comandar um governo paralelo integrado pelo ministro-chefe do Gabinete Militar Agenor Homem de Carvalho, o ex-secretário de Assuntos Estratégicos, Pedro Paulo Leoni Ramos, e o secretário particular da Presidência da República, Cláudio Vieira.

1993 Com o impeachment de Collor de Mello, Renan é nomeado pelo presidente Itamar Franco (PMDB) para comandar a Petrobras Química S/A (Petroquisa), empresa criada pelo ex-presidente Ernesto Geisel.

1994 Se elege senador pelo PMDB com 235 mil votos. No Senado, comanda o grupo de trabalho de reforma e modernização da Casa, criticando os gastos da instituição: US$ 1, 5 bilhão anuais para 10 mil funcionários, contra US$ 2 bilhões e 32 mil funcionários do Senado norte-americano.

1998 Assume o Ministério da Justiça, na reforma ministerial do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por indicação de Jader Barbalho (PMDB-PA), então presidente do PMDB. Ministro muito atuante, intensifica o combate à violência no campo e à corrupção na Polícia Federal.

2002 Reeleito senador em 2002, decide apoiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, juntamente com o presidente do Senado, José Sarney. Assume a liderança do PMDB no Senado e lidera um polo governista dentro da legenda.

2005 Assume a Presidência do Senado, cargo para o qual foi reeleito dois anos depois, por ampla maioria, após disputa com o senador José Agripino (DEM-RN).

2007 É acusado de receber ajuda financeira de um lobista, em meio a denúncias envolvendo a empreiteira baiana Gautama, do empresário Zuleido Veras, e o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. A jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha, denuncia que recebia uma pensão mensal de R$ 12 mil do lobista, a pedido de Renan, que nega a acusação. Por causa do escândalo, renuncia ao cargo de presidente do Senado, mas sobrevive a dois processos de cassação graças ao voto secreto da maioria dos senadores.

2009 Após um ano de ostracismo, articula a volta do senador José Sarney à Presidência do Senado, em disputa com o senador Tião Viana (PT-AC), processo que desagrega a base do governo. O petista recebeu o apoio da oposição, mas mesmo assim foi derrotado. Novamente líder do PMDB, volta a dar as cartas no Senado, com a instalação da CPI da Petrobras.