Título: O novo trunfo eleitoral do poder público
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 26/10/2009, O País, p. 3

Das 27 unidades da federação, em 15 o funcionalismo responde por mais de 10% da economia

Oaumento do número de funcionários públicos brasileiros e da folha salarial nos últimos anos em todo o país poderá ser trunfo eleitoral para os atuais governantes. Levantamento feito pelo economista José Roberto Afonso mostra que, na maioria dos estados, é significativo o peso de servidores federais, estaduais e municipais, somados. Das 27 unidades da federação, em 15 o funcionalismo responde por mais de 10% da economia. Há casos extremos como Acre (23,9%), Amapá (24,2%), Roraima (27,1%) e Piauí (16,7%), onde a máquina pública é estratégica para a atividade econômica.

Na visão de analistas políticos, em vários estados do Norte e Nordeste esse fenômeno corresponde a uma versão moderna dos antigos currais eleitorais, predominantes no início do século XX, em que coronéis do interior dominavam a política local em troca de favores. Essa estratégia agora surge, dizem, pelo aumento da máquina, de cargos de confiança e a concessão de reajustes.

- É um mecanismo histórico de cooptação eleitoral, não mais pelos coronéis, mas pelos cofres públicos. O surpreendente é que continue no século XXI - analisa o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).

O professor destaca a política de fortalecimento do funcionalismo adotada pelo governo federal nos últimos anos, que autorizou o ingresso de 57,1 mil novos servidores no Executivo desde 2003 e criou, por concurso público, 160.701 novas vagas. Além disso, o número de cargos de confiança - que podem ser contratados sem concurso - aumentou 19% desde o início do governo Lula, passando de 17,5 mil para 20,9 mil.

Reajustes terão impacto até 2012

O governo também acertou um reajuste aos mais de 1,6 milhão de servidores ativos e inativos, civis e militares, que terá impacto de R$29 bilhões em 2009, com reflexos até 2012. Tratar bem os servidores faz parte da estratégia eleitoral, lembra o consultor de marketing político Gaudêncio Torquato. Segundo ele, o servidor insatisfeito, com salários achatados e sem perspectivas profissionais, tende a se voltar contra o patrão do momento. Foi o que ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, que enfrentou oposição de servidores federais, depois de anos sem ajustes.

- O presidente Lula tem sido um craque na estratégia de agradar ao funcionalismo e angariar a simpatia dos servidores - disse Torquato.

Quanto mais pobre o estado e o município, aponta o levantamento de José Roberto Afonso, maior o poder de influência da máquina pública:

- Mesmo que o volume de gasto seja menor, ela (a folha salarial) tem um efeito mais importante para mover a economia dessas localidades menos desenvolvidas - afirma.

Os dados levantados pelo economista, com base em informações dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, excluem os aposentados e os militares, por falta de dados consolidados nacionais. De acordo com Gaudêncio Torquato, em regiões menos desenvolvidas, o eleitor tende a considerar o poder público de forma geral, sem distinguir as esferas federal, estadual ou municipal:

- Nessas regiões, o cidadão tende a um comportamento mimético, o que favorece ao mesmo tempo os caciques políticos locais e os de nível federal.

Além de garantir um eleitorado fiel, a máquina pública tem capilaridades que potencializam sua influência. Principalmente nos estados das regiões Norte e Nordeste - mas também na maior parte de cidades do interior de todo o país - quem não é funcionário público, é geralmente parente, vizinho ou amigo de algum. É o que lembra o cientista político Paulo Kramer, da Kramer Consultoria:

- O funcionalismo é um setor que forma opinião, pois tem mais disponibilidade para se dedicar às discussões políticas. Até o setor empresarial passa a ser cliente da máquina pública, dependendo dela para fazer negócios no município ou estado.

A recíproca também é verdadeira: nos estados mais ricos, a influência pública é menor. De acordo com Afonso, no Rio e em São Paulo, os pagamentos a todos os níveis de funcionalismo público são os maiores do país (R$48,630 bilhões/ano e R$24,269 bilhões/ano, respectivamente). Mas a economia desses dois estados é bem menos dependente do peso dos servidores. Em São Paulo, a máquina pública corresponde a 5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas) local, e no Rio alcança 7,2% da economia.

O estudo compara também o quanto a União gasta por estado. O Rio é onde ocorrem mais gastos com salários de servidores federais (19,5% do total), ainda na frente do Distrito Federal (18,2%), mesmo depois de quase 50 anos da mudança da capital. No caso do Rio, explica Afonso, a razão são hospitais e universidades federais instaladas no estado. São Paulo (10,3%) e Minas Gerais (7,7%) vêm em seguida.

O economista alerta que, com essa concentração de recursos em poucos estados, é preciso ter cuidado com a ideia simplista de que a mera expansão da folha salarial dos servidores públicos gera benefícios para todos os brasileiros.

- São gastos que beneficiam poucos estados, sendo que os maiores aquinhoados nunca são os mais pobres.