Título: Lula ataca fiscalização: 'Brasil está travado
Autor: Franco, Bernardo Mello; Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 24/10/2009, O País, p. 3

No mesmo dia, PF indicia 22 pessoas por fraudes contra o PAC detectadas pelo TCU

A Polícia Federal concluiu ontem inquérito que investigou fraudes no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Cuiabá, e indiciou 22 pessoas. O inquérito da Operação Pacenas fora provocado por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que em 2007 descobriu indícios de superfaturamento em obras de saneamento do PAC cujo valor total era de R$ 239 milhões.

No mesmo dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar duramente o trabalho de fiscalização de órgãos como o TCU. Na véspera, contraditoriamente, ele afirmara que não cabe à imprensa, mas a instituições como o TCU, fiscalizar a aplicação de recursos públicos ou denúncias de corrupção.

Lula elevou o tom das críticas contra a paralisação de obras com indícios de irregularidades durante discurso na posse do novo advogadogeral da União, Luis Inácio Adams. O presidente reclamou do rigor dos auditores, disse que é difícil governar o país com a máquina de fiscalização atual e ameaçou divulgar um ¿relatório de absurdos¿ com relação a obras interrompidas sem motivo razoável.

Ainda voltou a defender as viagens para fiscalizar obras, que a oposição classifica de campanha antecipada para a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente e do PT ao Planalto.

Lula defendeu punição para quem determina a paralisação de obras por razões que não considera corretas: ¿ O Brasil está travado. Não é fácil governar com a poderosa máquina de fiscalização e a pequena máquina de execução que temos. Estou tentando fazer um relatório das coisas mais absurdas. Há obras paralisadas por cinco meses, dez meses, um ano, que depois são liberadas sem que as pessoas que as paralisaram tenham punição.

Precisamos de câmara inatacável

Lula sugeriu ainda que decisões sobre obras importantes sejam tomadas por colegiados: ¿ Pessoas às vezes de 4oescalão resolvem que não pode e acabou.

Não existe um fórum. Se for para a Justiça, demora muito tempo, anos.

Precisamos criar instrumentos em que essas coisas, na hora de decidir, na hora que alguém entender que uma obra tem que parar, tem que ter uma câmara, alguma coisa de nível superior, tecnicamente inatacável, para decidir. Porque se não o país vai ficando atrofiado.

Ele também acusou os fiscalizadores de agir com ¿fundamentalismo¿ em suas decisões, dizendo que essas pessoas não têm dimensão do que significa a paralisação de obras: ¿ Quem dá ordem para executar está submetido a todas as leis, e quem dá ordem para parar não está a nenhuma. E se parte do pressuposto de que todo mundo é desonesto, até que prove o contrário. Às vezes prevalece o fundamentalismo, e não a decisão técnica.

E voltou a acusar quem determina a interrupção de obras de trabalhar contra o Brasil: ¿ Com que direito alguém para uma obra por nove meses? Quantos milhões deixamos de ganhar com aquela obra parada? Hoje, uma pessoa lá nos confins de um estado qualquer tem mais poder que o presidente, muitas vezes uma pessoa de4oescalão.

Com esse negócio de um remar para a frente e cinco para trás, a gente nunca vai ganhar a medalha de ouro do desenvolvimento.

O presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, reagiu: ¿ Nós chamamos de grau de irregularidade quando está caracterizado sobrepreço, fraude, conluio, direcionamento. São os fatos mais graves que indicam que a obra deve ser paralisada ¿ disse ele ao ¿Jornal Nacional¿, da Rede Globo.

O primeiro edital para a obra do PAC em Cuiabá foi publicado em agosto de 2007, despertando desconfiança do TCU, que determinou a anulação.

Outros dois editais foram elaborados, sempre com irregularidades, segundo a Polícia Federal. A conclusão da PF é que os editais de sete lotes continham cláusulas que direcionavam a escolha para o Consórcio Cuiabano, composto por cinco empresas de Cuiabá.

As investigações culminaram naOperação Pacenas, que prendeu 11 pessoas no dia 10 de agosto deste ano. Entre os presos estavam o suplente de deputado estadual Carlos Avalone (PSDB) e o então procuradorgeral de Cuiabá, José Antônio Rosa, um dos braços direitos do prefeito Wilson Santos (PSDB). Os dois foram indiciados no relatório final concluído ontem. O nome da operação, Pacenas, é um anagrama de Sanecap, a agência de saneamento de Cuiabá, responsável pelos editais.

A suposta quadrilha, segundo a Polícia Federal, era formada por empreiteiros e servidores públicos. Eles devem responder a processo por fraude a licitação, advocacia administrativa e formação de quadrilha.

Ontem mesmo o inquérito, com 13 volumes, foi enviado à Justiça Federal.

A PF diz acreditar que as provas levantadas durante a investigação são suficientes para condenar os integrantes do grupo. Em perícia realizada em um dos computadores apreendidos, os policiais encontraram email no qual o remetente explica como proceder para fraudar a obra do PAC. Segundo o delegado Márcio Carvalho, esta é uma das principais provas das fraudes.

A operação levou à cadeia o presidente do Sindicato da Construção Civil de Mato Grosso (Sinduscon), Luiz Carlos Richter, e o presidente do Sindicato da Construção Pesada (Sincop), Alexandre Schutz. Na decisão que determinou a prisão dos acusados, em agosto, o juiz federal Julier Sebastião da Silva concluiu que havia ¿indícios claros de formação de cartel, utilização de sindicatos patronais como clubes de falcatruas, ameaças a licitantes, acertos prévios, simulação de licitação e subornos.