Título: Bolsa, do inferno ao céu
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 27/10/2009, Economia, p. 19
Há um ano, Ibovespa batia piso de 29 mil pontos. De lá para cá, sobe 121%
Oinvestidor que olhasse a Bolsa brasileira um ano atrás, no turbilhão iniciado após a quebra do banco americano Lehman Brothers em setembro, não poderia imaginar que, 12 meses depois, o Índice Bovespa (Ibovespa), seu principal indicador, acumularia alta de 121,11%. Em 27 de outubro de 2008, o índice atingia 29.435 pontos, voltando à pontuação de outubro de 2005. Em maio, o Ibovespa atingira seu recorde em toda a História, ao fechar em 73.516 pontos. E quem teve coragem de entrar no mercado de ações naquela ocasião mais do que dobrou o valor investido.
Em março de 2008, as ações de todas as empresas brasileiras chegaram a valer R$2,6 trilhões, para voltar a R$1,142 trilhão, menos da metade e um valor próximo dos R$979 bilhões que a Bolsa valia três anos antes. Isso, sendo que o número de empresas de capital aberto no Brasil somava 443 em outubro de 2008, ou 62 a mais do que em 2005, antes que a a safra de ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês), ou simplesmente aberturas de capital, atingisse seu ápice, o que ocorreu em 2007.
De outubro de 2008 para cá, também saíram da Bovespa diversas companhias que só eram oficialmente abertas, mas pouco negociavam suas ações. Agora, a Bolsa se aproxima novamente do seu valor de mercado antes da grande crise, aos R$2,204 trilhões no fim da semana passada - quase o dobro de um ano atrás -, segundo dados da agência Bloomberg, com 433 empresas listadas. Ou seja, pelo menos dez não resistiram e fecharam capital ou foram incorporadas, caso de Unibanco pelo Itaú, Sadia pela Perdigão, Satipel pela Duratex.
Bovespa tem maior alta do mundo
Em dólar, para permitir a comparação com outras bolsas do mundo, o Ibovespa acumula alta ainda maior desde outubro do ano passado: de 188%, ganhando de longe de outros mercados de ações, com a queda de 22,50% do dólar no período, tendo saído de R$2,244, para R$1,739. Agora, aparentemente passado o pior da crise, a maioria maciça dos analistas não vê chances de o Ibovespa voltar aos 29 mil pontos. Pelo menos, não nessa crise.
- Crises acontecem. Mas, nesse momento, eu não vejo um novo mergulho. Depois que os governos deram sinais de que os bancos de porte não iriam quebrar, o mercado começou a se acalmar - relata o economista-chefe da corretora Ágora, Álvaro Bandeira, reconhecendo que, mesmo assim, mais de cem instituições financeiras americanas, regionais na maioria, quebraram neste período, sem grandes impactos para o mercado financeiro.
Para socorrer as economias, foram considerados fundamentais os programas de estímulo adotados pelos países, com destaque para o de US$587 bilhões na China e o de US$780 bilhões dos Estados Unidos. Com isso, já em março, as economias começaram a dar sinais de que poderiam sair da recessão no segundo trimestre. Agora, há uma expectativa de os EUA mostrarem algum sinal de recuperação já na prévia do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos pelo país) do terceiro trimestre, que deve ser anunciada na quinta-feira. Daí para frente, dependerá de como os governos farão para desmobilizar os estímulos adotados.
- Se fizerem isso mal, elevando muito os juros, por exemplo, podemos ter outro trimestre ruim, mas não acho que venha uma nova crise agora - diz Bandeira, da Ágora.
O economista da Um Investimentos, Hersz Ferman, também descarta um retorno aos 29 mil pontos.
- Não tem chance de voltarmos para aquela mínima. O cenário de recuperação está forte. A Bolsa tem mais chance de subir do que de cair.
O gestor de carteiras da Verax Serviços Financeiros, Pedro Lérias, diz que um dos movimentos que fizeram o indicador imergir até o piso hoje estaria menos presente: a chamada alavancagem. Ou seja, os investidores tinham comprado muito mais ativos do que poderiam honrar pelos seus recursos em caixa. Com a crise, tiveram que vender estes ativos rapidamente, para reduzir seu risco:
- O que houve em 2008 foi um processo de desalavancagem, dentro de um movimento que vinha desde 2002. Houve um fluxo de investimentos forte, e o processo de venda dos papéis foi comprimido em 12 meses.
Já o estrategista da Pentágono Asset, Marcelo Ribeiro, considera que o exagero não tenha sido as quedas de 2008, mas talvez a recuperação do último ano.
- Acho razoável a hipótese de voltarmos aos 29 mil pontos. Estamos acostumados a ver as bolsas subirem, mas o Japão teve uma crise que começou com uma bolha imobiliária e que alastrou para o setor financeiro, muito semelhante a essa americana. Em 1989, o índice Nikkei (de Tóquio) estava em 39 mil pontos e hoje está em 10 mil pontos ainda - avalia.
Pela segunda semana seguida, o mercado puxou as expectativas sobre a inflação em 2010, que se igualaram ao centro da meta estipulada pelo governo, de 4,5% pelo IPCA, segundo a pesquisa Focus do Banco Central (BC) divulgada ontem: as previsões subiram de 4,41% para 4,50%. As expectativas de crescimento do PIB em 2009, ainda segundo o Focus, subiram de 0,12% para 0,18% em 2009, e ficaram estáveis em 4,80% para 2010. Os analistas avaliam que a atividade econômica a todo vapor será o motor da subida de preços. Por isso, eles preveem que a autoridade monetária voltará em meados do ano que vem a elevar os juros básicos do país (Taxa Selic), que encerraria o 2010 a 10,50%.
Goldman Sachs recomenda Brasil
Ontem, em mais uma demonstração de preferência pelas ações brasileira, o analista Stephen Graham, da corretora Goldman Sachs, disse em nota a seus clientes que "é arriscado reduzir a exposição ao Brasil", segundo informou a Bloomberg. Com isso, nos últimos minutos, o Ibovespa voltou ao terreno positivo e fechou em alta de 0,04%, com investidores voltando a comprar ações da Vale e da Petrobras, o chamado "kit Brasil" e as ações de maior peso no Ibovespa. Com isso, a bolsa brasileira ficou na contramão de Nova York, onde o índice Dow Jones caiu 1,05% e o eletrônico Nasdaq, 0,59%.
Ontem, por problemas técnicos, a Bovespa ficou parada por quase uma hora: das 11h57m às 12h53m.