Título: Com medo da bolha
Autor: Duarte, Patrícia; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 28/10/2009, Economia, p. 21

BC quer modernizar mercado de câmbio para conter alta da Bolsa e do real

A forte alta da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que acumula valorização em torno de 120% nos últimos 12 meses, e o dólar barato ¿ a R$ 1,739, em queda de 22,50% frente ao real no mesmo período ¿ acenderam a luz amarela no Banco Central (BC). A instituição iniciou estudos para modernizar o mercado de câmbio e atenuar a entrada em massa da moeda americana no Brasil.

Várias medidas estão no cardápio, sendo uma das mais importantes permitir que os fundos de investimento constituídos no Brasil comprem ativos no exterior, o que é restrito hoje. O governo vem tentando impedir distorções de preço que prejudicam, entre outros, o setor exportador. Ao mesmo tempo, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, alertou ontem que a alta das ações no mundo está se dando sob condições de liquidez excepcional propiciada por condições não sustentáveis.

¿ Uma conjuntura na qual as taxas de juros do G-3 estão próximas de zero e o crescimento do crédito na China excede 20 pontos percentuais do PIB em seis meses não pode ser vista como uma nova normalidade.

E, ainda que possa persistir por mais algum tempo, não pode ser vista como permanente ¿ afirmou ele, em seminário do BC no Rio.

Mesquita lembrou que a relação entre o preço das ações da Bovespa e o lucro estimado pelas empresas ¿ indicador observado por analistas de mercado para avaliar se uma ação está cara ou barata ¿ guarda relação de 11,7 vezes. A razão está abaixo da registrada em África do Sul, Chile, China, Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, Marrocos, Polônia e Taiwan.

Para ele, a crise torna mais provável que alguns bancos centrais sejam proativos frente a certos movimentos de preços de ativos e de agregados de crédito para manter o poder de compra da moeda. Mas lembrou que a ação do BC no Brasil se limita a políticas de formação de preços de bens e serviços, e não de ativos.

No estudos para o câmbio, o BC também avalia permitir que agentes ¿ bancos, empresas, fundos ¿ no país que levantam investimentos ou financiamentos no exterior não tenham de, necessariamente, trazer os recursos para o país em um curto espaço de tempo. Em uma terceira frente, analisa permitir que os estrangeiros que venham aplicar no mercado de derivativos ¿ como contratos de dólar futuro ¿ possam depositar suas garantias lá fora, e não no mercado nacional, como é exigido atualmente

Para analistas, reforma não basta

Esse foi o pleito feito pelo diretorgeral da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, na semana passada ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao argumentar que deixariam de entrar no país cerca de US$ 8 bilhões e que, portanto, não seriam tributados pelo IOF. A ideia não desagrada à equipe econômica, mas há algumas preocupações. Entre elas, a de se criar um mecanismo legal e eficiente de que essas garantias depositadas no exterior efetivamente possam ser acionadas caso necessário.

Os instrumentos hoje servem para os depósitos feitos no mercado local.

Ontem, sem entrar em detalhes, o presidente do BC, Henrique Meirelles, adiantou que está sendo preparado um ¿projeto de modernização do mercado de câmbio¿. Ele apenas citou como exemplo os fundos, que têm restrições para investir no exterior. Hoje, pela lei, esses fundos podem alocar apenas uma pequena parte de seu patrimônio em papéis internacionais. A ideia que está sendo elaborada é de ampliar esse limite, mas precisará do crivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

¿ A última grande modificação (no mercado de câmbio) foi em 2005, quando foi feita a unificação do mercado de câmbio. É importante continuar trabalhando no aperfeiçoamento do mercado de câmbio, visando a legislar para evitar distorções de preços ¿ afirmou Meirelles em audiência pública com parlamentares do PMDB, partido ao qual filiou-se recentemente.

O governo vem travando uma verdadeira batalha para evitar uma bolha no câmbio. Com o dólar fraco, as exportações brasileiras perdem competitividade porque ficam mais caras.

O governo já anunciou a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com alíquota de 2%, sobre o capital de fora que compra títulos de renda fixa e ações no Brasil, a fim de frear a entrada de recursos. Por enquanto, a medida não está surtindo efeito, já que o Brasil tem atraído muitos recursos externos por causa das boas perspectivas econômicas.

Os esforços do governo para modernizar o câmbio são bem-vindos mas, para especialistas, não serão suficientes para segurar mais valorizações cambiais. O ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Alexandre Schwartsman lembra que o país continuará a receber muitos recursos externos por mais tempo.

¿ Mas como continuidade do processo de modernização do câmbio, acho que mudanças poderiam ser excelentes ¿ afirmou Schwartsman, atualmente economista-chefe do banco Santander.

Segundo Natan Blanche, especialista em câmbio da Tendências, é preciso reduzir tarifas de importação de insumos e componentes: ¿ Só baixando o custo da produção, é possível aumentar a competitividade e estimular as exportações. A flexibilização do câmbio é ótima, mas hoje o BC está de mãos atadas, pois a legislação do setor é de 1964.

Francisco Carvalho, da Corretora Liquidez, também acredita que, para reduzir a valorização do real frente ao dólar, o ideal é desonerar a produção: ¿ A briga não é contra o fluxo de recursos. Ela deve ser feita para melhorar a competitividade e a produtividade.