Título: Para presídios, verbas trancadas
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 01/11/2009, O País, p. 3

Recursos estão embargados por problemas na licitação,de engenharia e ambientais.

Em meio a problemas de superlotação e rebeliões, pelo menos R$460 milhões destinados pelo governo federal para a construção e a reforma de presídios estão parados nas contas bancárias de 24 estados e do Distrito Federal. Relatório da Caixa Econômica Federal obtido pelo GLOBO informa que os projetos que deveriam ser financiados com esses recursos estão embargados por pendências nas licitações, entraves ambientais e falhas de engenharia, entre outros problemas. Em alguns casos, o dinheiro mofa nas contas desde 2004, e os projetos não saem do papel há quatro ou cinco anos.

O governo federal também tem dificuldades para cumprir a promessa de construir cinco presídios federais de segurança máxima. Até o momento, só três estão em funcionamento, em Catanduvas (PR), Campo Grande (MS) e Porto Velho (RO). O presídio de Mossoró (RN), concluído em maio do ano passado, até agora não recebeu detentos. As obras para a construção do quinto presídio, em Brasília, só devem começar no ano que vem. A promessa do governo era concluir todos no primeiro mandato do presidente Lula, que terminou em 2006.

- Muita gente não quer presídios em seus municípios. Estão reclamando porque mandamos dez presos do Rio para o presídio de Campo Grande. Dizem: "Vocês acham que Mato Grosso é depósito de presos?" É política pública numa área sensível. Não é fácil - afirma Wilson Damázio, diretor do Sistema Penitenciário Federal.

Na Bahia, um dos piores sistemas

A Bahia, do governador Jacques Wagner, é o estado com o maior volume de recursos sem movimentação. O estado mantém em conta R$44,7 milhões reservados para a construção de penitenciárias em Vitória da Conquista, Barreiras e em Salvador.

O estado tem um dos piores sistemas carcerários do país. São 15 mil detentos, 6 mil deles amontoados em delegacias, segundo dados do Conselho Nacional de Política Criminal (CNPC).

- Isso vai contra as normas internacionais. Quem prende não deve fazer a carceragem - diz o presidente do CNPC, Geder Luiz Rocha Gomes.

Em segundo lugar na lista dos estados com o maior volume de recursos parados em conta bancária está o Rio de Janeiro, do governador Sérgio Cabral. O governo mantém R$40,2 milhões para financiar nove projetos de construção e reforma de presídios. Parte dos recursos, R$10,1 milhões, foi repassada em 2005 para a construção da cadeia pública de Magé. O projeto, que permitiria o abrigo de 336 presos, não saiu da gaveta até hoje por "mudança no programa de trabalho" e "pendências de licitação", conforme relatório da Caixa enviado ao Ministério da Justiça.

As dificuldades se repetem em projetos mais recentes, como a construção da penitenciária Jovens Adultos, em Gericinó. O governo do estado recebeu R$14,7 milhões ano passado, mas a proposta não decolou por "pendência de licitação e engenharia". Os embaraços se avolumam em Rondônia, do governador Ivo Cassol. O estado está com R$33,4 milhões para vários projetos, entre eles a construção de uma penitenciária em Porto Velho. O sistema penitenciário do estado é tão precário que motivou denúncia contra o governo brasileiro na Comissão de Direitos Humanos da OEA.

Em 2004, uma rebelião no presídio de Urso Branco, em Porto Velho, chocou o país. Líderes do motim mataram 12 colegas, alguns degolados. Desde então, a reforma do sistema penitenciário local se tornou urgência nacional. Mas nem assim as obras de construção e reforma de cadeias no estado deslancham. A construção do presídio de Porto Velho esbarrou em "pendências de documentação de engenharia". Até a reforma do presídio Aníbal Bruno, em Recife, sofre com entraves da administração pública.

O governo de Eduardo Campos mantém na conta R$9,8 milhões destinados à divisão do Aníbal Bruno em três unidades independentes. O projeto empacou por "pendências de engenharia, licitação e documentação jurídica".

O diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Airton Michels, reconhece o drama do sistema carcerário do país, mas acha natural a demora nas obras. O país tem 470 mil presos e um déficit aproximado de 170 mil vagas. Há cerca de 500 mil mandados de prisão não cumpridos:

- Não posso afirmar que esses atrasos são negligência dos estados. Obras como essas demoram em qualquer lugar porque envolvem muitos interesses. A população rejeita.

As falhas do sistema carcerário multiplicam a violência. Pelos dados do CNPC, aproximadamente 70% dos presos que deixam a cadeia voltam a cometer crimes. A taxa de reincidência na Europa e nos EUA gira em torno de 16%. Na Argentina, no Chile e no Uruguai, são inferiores a 25%. Para Geder Gomes, parte do problema se deve à falta de gestores profissionais.

- Tinha que haver gestores com experiência de administração. Hoje, os gestores (delegados, promotores) são engolidos pela burocracia.