Título: Empresas enchem caixa com R$ 72 bi
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 01/11/2009, Economia, p. 33

No ano, 16 companhias lançaram títulos lá fora e 19 emitiram ações

Após um período árido para os financiamentos, as portas dos mercados de capitais doméstico e internacional voltaram a se abrir para as empresas brasileiras. Dezenove companhias já levantaram recursos da ordem de R$43,5 bilhões, via emissão de ações este ano, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com mais da metade da concentração em setembro e outubro. Já 16 empresas buscaram US$16,4 bilhões no mercado externo - aproximadamente R$28,4 bilhões -, por meio de lançamento de títulos no exterior. Ou seja: são quase R$72 bilhões, que darão mais musculatura para as empresas competirem no mercado e refletem a retomada da confiança na economia brasileira.

O montante levantado este ano ainda está abaixo dos volumes dos financiamentos do BNDES, de R$100 bilhões até a primeira semana de outubro. Mas tudo indica que, aos poucos, o mercado voltará a repetir o feito de 2007. Naquele ano, as captações por ações ficaram em R$67,3 bilhões, acima dos recursos liberados pelo banco, que somaram R$64,9 bilhões.

Para o professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, esse movimento dá maior competitividade às empresas, à medida que investem em seus produtos e na expansão de suas atividades, o que alimenta o ciclo virtuoso da economia.

- A partir das captações, as imobiliárias, por exemplo, se preparam para fazer projetos, comprar terrenos ou até mesmo outras empresas menores. Tudo isso tem impacto positivo sobre emprego e oferta de produção, na medida em que as companhias vão definindo seus planos de investimento para o futuro - diz o professor.

A construtora de shopping centers Multiplan, que fez uma captação de R$792 milhões, aproveitou a recuperação do mercado para garantir parte dos recursos que irão para novas empreitadas no próximo ano.

Setor de shoppings aposta em expansão do varejo no país

Entre os principais projetos da empresa para 2010 está a conclusão da expansão dos shoppings de Curitiba e Belo Horizonte, e da construção de um prédio comercial em Porto Alegre. O plano de investimentos para o ano, no entanto, será mais abrangente, mas ainda está sendo concluído.

- O fato de termos ido a mercado mostra nosso otimismo em relação ao segmento de varejo, que nos permite acelerar o desenvolvimento de projetos, com um equilíbrio da dívida que nos permita crescer - diz o vice-presidente e diretor de Relações com Investidores da empresa, Armando d"Almeida Neto.

Apesar de comemorar a retomada, analistas se dividem quanto à duração da bonança. Para o diretor regional para ratings (notas de crédito) corporativos da Moody"s, Alexander Carpenter, a recuperação ainda está em andamento. Ele explica que a emissão de títulos externos de empresas brasileiras, por exemplo, cresceu porque os empréstimos sindicalizados (com vários bancos participantes) secaram, já que essas instituições eram justamente as que mais sofreram após a crise estourar.

Mesmo no mercado de debêntures (emissões de dívida no mercado interno), os prazos ainda não voltaram ao normal, embora os prêmios tenham caído. Por este instrumento, quatro empresas levantaram R$1,15 bilhão este ano. Em 2008, foram 11 companhias captando R$2,59 bilhões.

- Durante a crise, teve empresa que captou pagando 130% do CDI, o que era caro. Agora, os preços já estão de volta a 103%. Mas o prazo de resgate, que era de três a cinco anos, agora está em no máximo dois ou três - exemplifica Carpenter.

Credit Suisse: mercado de capitais pode suprir 100% do financiamento

Apesar do aumento das captações em ações, a valorização dos papéis das estreantes em 2009 mostra que o investidor está mais cauteloso. Entre as cinco companhias que fizeram IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês), Santander (que já tinha poucos papéis em circulação) e Tivit enfrentavam quedas acima de 10% até a última sexta-feira. Já as ações da Cetip caíam 9,23%, e as do Iguatemi, 6,23%. As únicas que subiam eram as da Visanet, com ganhos de 7,67%.

- Se fosse em 2007, essas ações teriam bombado. O mercado, antes, não fazia conta, mas agora faz, vê quando está caro ou quando tem outras alternativas. Há espaço para lançamentos de ações mas o investidor está mais seletivo - diz o gerente de Análises do Modal Asset, Eduardo Roche.

Para José Olympio Pereira, diretor da Área de Investimentos do Credit Suisse, um dos maiores bancos coordenadores de ações no mundo, a tendência é o mercado de capitais se desenvolver ainda mais nos próximos anos. Segundo ele, o financiamento via emissão de títulos, ações e dívidas poderá suprir 100% da necessidade de crédito de curto prazo das empresas brasileiras.

- O Brasil está em uma posição muito destacada e tem uma combinação única: economia grande, estabilidade política, econômica, institucional e jurídica, e perspectiva de crescimento - diz.

O vice-presidente da Anbima (associação que reúne bancos e instituições do mercado de capitais) Alberto Kyrali, concorda com o potencial das captações, mas alerta:

- Para acessar o mercado de capitais, tem que ter determinado porte. As empresas menores ainda estão mais restritas a financiamentos bancários, mas as maiores contam com cada vez mais possibilidades no mercado.

Eduardo Roche concorda:

- As distorções do passado, com um IPO atrás do outro, ficaram para trás. Ficou evidente que muitas daquelas empresas não tinham condições de se listar na Bolsa. Não tinham contabilidade adequada, governança ou porte, e acabaram acelerando esse processo para aproveitar a oportunidade que se abriu.

INVESTIMENTOS NO BRASIL CHEGARAM A US$76 BI NO 1º SEMESTRE, na página 34