Título: MP é contra Enem sem licitação, como propôs MEC
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 02/11/2009, O País, p. 5
Procurador critica ideia de ministro e diz que órgão da UnB subcontrata empresas privadas, o que contraria lei
BRASÍLIA. A proposta do ministro da Educação, Fernando Haddad, de contratar sem licitação o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) - órgão vinculado à Fundação Universidade de Brasília (UnB) - para elaborar de forma permanente o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) pode ser barrada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O procurador Marinus Marsico, representante do Ministério Público no TCU, disse ontem que a proposta fere a lei de licitações, uma vez que o Cespe costuma subcontratar instituições privadas para ajudá-lo a organizar as provas. Esses empresas particulares acabariam contratadas sem licitação.
Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" publicada ontem, o ministro disse que "o modelo de contratação exigido pelos órgãos de controle é inapropriado para o Enem". Haddad quer que o MEC tenha uma instituição semelhante à Fuvest, organizadora dos vestibulares da Universidade de São Paulo (USP), para realizar o Enem. Essa entidade seria o Cespe, e o ministro disse que já conversou a respeito com o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior.
- Toda nossa preocupação vai para que tenhamos uma espécie de Fuvest dos exames do MEC - disse Haddad, ao jornal paulista.
Concorrência não pode ser dispensada, diz procurador
O Cespe, segundo o ministro, seria "o braço operacional do Inep" para a organização da Prova Brasil, do Enem e do Enade. Haddad afirmou que pretende apresentar essa proposta para a análise do Tribunal de Contas da União.
Na última quinta-feira, Marsico se reuniu com representantes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em seu gabinete no TCU, e os dirigentes do órgão indicaram que a solução a ser adotada pelo governo será a contratação permanente do Cespe para elaborar o Enem, com dispensa de licitação. Mas o procurador não concorda com esse caminho, porque a dispensa de concorrência só é possível nos casos em que há uma única entidade capaz de executar o serviço, e de segurança nacional.
- Eu disse a eles que esse caminho é muito arriscado. Essa proposta é temerária - afirmou o procurador.
Há um mês, o MEC foi obrigado a cancelar o Enem depois que as provas foram furtadas da gráfica e o caso foi divulgado na imprensa. Contratado após uma licitação, o consórcio que elaborava a prova teve o contrato encerrado e o Cespe foi contratado em consórcio com a Fundação Cesgranrio, às pressas, para elaborar o novo exame, que será aplicado em 5 e 6 de dezembro.
Segundo Marsico, a prática tem mostrado que o Cespe não organiza os exames sozinho e costuma contratar outras fundações. Isso, disse o procurador, é uma forma de burlar a Lei de Licitações:
- Se o Cespe desse conta do serviço sozinho, tudo bem. Mas não é o que ocorre. O risco é o Cespe se transformar num intermediário para contratar outras instituições. Aí acaba a Lei de Licitações.
Para o procurador, a solução será a elaboração de uma licitação "bem amarrada" para que a entidade vencedora realmente execute o serviço contratado. Ele disse, inclusive, ser possível a contratação de uma empresa para mais de um período, porque o serviço é continuado.
Paulo Renato diz que proposta do MEC é "loucura"
Idealizador do Enem, o ex-ministro Paulo Renato Souza (PSDB), atual secretário de Educação de São Paulo, disse ontem que o problema do exame não foi a licitação, mas a pressa do governo em transformá-lo em alternativa ao vestibular, sem uma logística adequada. Para ele, a contratação permanente do Cespe não é a melhor solução.
- Eles encurtaram os prazos, resolveram mudar tudo por razões exclusivamente políticas e escolheram uma empresa que não tinha condições de fazer o Enem. Isso ficou óbvio. Agora, contratar uma instituição de forma permanente é um absurdo. Algum tipo de seleção tem de haver. O Cespe já teve problemas em outras seleções. Isso é uma loucura - afirmou.