Título: Bondades sem validade
Autor: Beck, Martha; Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 02/11/2009, Economia, p. 16

Em situação fiscal frágil, governo pode perder mais R$2,4 bi com prorrogação de desonerações

Aprorrogação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido para a linha branca - ainda que sob novas condições - demonstra que a equipe econômica terá de suar a camisa para conseguir suspender as desonerações que foram feitas para reativar a economia durante a crise. As inúmeras pressões políticas pela continuidade dos benefícios, às vésperas de um ano eleitoral, podem acabar fazendo o governo engolir R$2,4 bilhões em novas prorrogações de incentivos, caso eles sejam mantidos nas condições em que já vigoram.

Ainda não há decisão sobre quanto tempo vão durar todas as prorrogações. Mas estima-se que o custo mensal dessas medidas seja de quase R$300 milhões. A manutenção de incentivos anunciada até agora, como o IPI reduzido para automóveis e a linha branca, já soma R$3,2 bilhões num ano em que as receitas não têm conseguido compensar as despesas como se esperava.

Tanto que o secretário do Tesouro, Arno Augustin, já anunciou que, para conseguir fechar suas contas, o governo terá de utilizar, pela primeira vez em 2009, o mecanismo que permite o abatimento de investimentos da meta de superávit primário. No início do ano, a equipe econômica calculou em R$18 bilhões o impacto total dos benefícios na arrecadação, mas esse número já foi revisado para R$25 bilhões.

Outros setores serão beneficiados

Os próximos setores a serem beneficiados com prorrogações de incentivos são os de material de construção, bens de capital e computadores. Nos dois primeiros casos, o IPI reduzido está previsto para terminar em dezembro, mas deve continuar em 2010.

O governo também já planeja manter zerado o PIS/Cofins de microcomputadores e componentes por mais quatro anos. Além disso, o setor automotivo pode acabar sendo beneficiado por incentivos fiscais combinados a compromissos ambientais, como ocorreu com o IPI da linha branca.

Diante das dificuldades fiscais, o Ministério da Fazenda tem resistido a prorrogar as desonerações. Mas especialistas garantem que as pressões políticas têm falado mais alto. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) afirma que as desonerações já não têm mais nada a ver com a situação econômica e têm objetivos puramente políticos.

- O pior de tudo é que isso impacta as receitas dos municípios, que recebem parte do IPI. É cortesia com o chapéu dos outros. Se o governo quer fazer concessões, que faça com seus próprios recursos - critica o senador.

Já o presidente da Comissão de Acompanhamento da Crise do Senado, Francisco Dornelles (PP-RJ), afirma que o governo está sendo rápido demais ao tentar suspender os benefícios. Segundo ele, essas medidas tiveram como consequência reduzir a carga tributária sobre a produção e deveriam ser mantidas de forma permanente.

- Acabar com as desonerações significa, neste momento de recuperação, aumentar a carga tributária - disse Dornelles.

O líder do governo no Senado, senador Romero Jucá (PMDB-RR), defendeu as desonerações como uma forma de manter a economia aquecida.

- Não queremos só sair do atoleiro, mas manter o crescimento. (Não prorrogar o IPI da linha branca) seria comprometer as compras de fim de ano. Quem não quer que o povo tenha a sua geladeira no fim de ano?

Professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, Alcides Leite afirma que a pressão pela prorrogação de incentivos é mais forte em períodos eleitorais, o que pode ter um efeito negativo sobre as contas públicas.

- O período eleitoral é sempre perigoso do ponto de vista do gasto - afirma ele, destacando, no entanto, que é preciso ver se o incentivo tem um efeito positivo para a atividade. - É preciso fazer um acompanhamento de preços para checar se o incentivo está cumprindo seu papel. O Brasil tem uma carga tributária muito elevada que pesa sobre o setor produtivo.

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos principais conselheiros do presidente Lula na área econômica, é natural que a retirada de estímulos à atividade produtiva seja lenta porque a economia ainda não se recuperou totalmente da crise. Sobre as pressões políticas para a manutenção de incentivos, Belluzzo afirma:

- Faz parte da democracia. Em momento de crise, as pressões aumentam, e até setores que não estão com problemas também pedem ajuda.