Título: Dois dias após acordo, discórdia em Honduras
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Fonte: O Globo, 02/11/2009, O Mundo, p. 21

Zelaya afirma que Congresso tem dever de restituí-lo ao poder. Governo interino diz que sua volta não é obrigatória

MANUEL ZELAYA pendura o seu chapéu no galho de uma árvore no quintal da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa: discordâncias sobre compromisso

TEGUCIGALPA. Bastaram 48 horas para o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e o governo interino que o derrubou passarem a demonstrar publicamente que têm interpretações bem diferentes sobre o acordo ao qual chegaram na sexta-feira. O principal ponto de discórdia foi a obrigatoriedade, ou não, da volta de Zelaya ao poder antes das eleições presidenciais marcadas para o dia 29 de novembro.

De acordo com o documento assinado pelos dois lados, até quinta-feira o país deverá ter um governo de unidade nacional, com elementos dos dois grupos. Antes disso, o Congresso deverá tomar a decisão se Zelaya deve voltar ao cargo de presidente. Porém, o presidente interino Roberto Micheletti e seus partidários frisam que não há qualquer obrigatoriedade da volta de Zelaya ao poder no acordo.

- Se o Congresso votar contra a minha volta à Presidência, cargo para o qual fui eleito pelo povo hondurenho, estará enganando a comunidade internacional e a população - disse Zelaya, que ainda está hospedado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, ontem.

O representante de Zelaya nas negociações, Jorge Reina, afirmou ontem que o acordo terá sido rompido caso os deputados não recoloquem o presidente deposto no poder.

O governo interino divulgou ontem uma nota sobre o acordo. Ele diz que "não é automática a restituição de Zelaya ao poder", pois cabe ao Congresso decidir.

Víctor Rico, enviado da Organizações dos Estados Americanos (OEA) ao país, disse que a decisão realmente cabe aos deputados, mas acrescentou:

- Eles sabem muito bem o que a comunidade internacional espera. Do ponto de vista de grande parte da comunidade internacional, o fim da crise acontecerá quando o presidente Zelaya for restituído.

Zelaya foi deposto em 28 de junho, quando foi retirado do palácio presidencial por militares e enviado para fora do país. Na época, a decisão recebeu o apoio da Suprema Corte e do Congresso, depois que Zelaya convocou um referendo - considerado inconstitucional - para tentar convocar uma Assembleia Constituinte.

No acordo, atingido dois dias depois da chegada de uma equipe de negociadores americanos ao país, a Suprema Corte deverá divulgar sua opinião sobre a volta de Zelaya ao poder. Vários sinais emitidos por fontes levam a crer que os juízes deverão manter sua decisão anterior, a de retirar Zelaya do poder.

O acordo, porém, deixa claro que a opinião da Suprema Corte não é vinculante, e a decisão cabe apenas ao Congresso.

Muitos consideram que a peça chave para a votação no Congresso será o candidato do Partido Nacional à Presidência, Porfírio Lobo. As pesquisas indicam que ele tem mais de dez pontos percentuais de vantagem sobre seus adversários, e interessaria a ele conquistar uma boa imagem internacional.

Ricardo Lagos será enviado da OEA em Honduras

Para que Zelaya possa voltar ao poder, precisará do apoio de mais da metade dos 128 deputados. A maior legenda, o Partido Nacional, tem 62 votos, mas está totalmente dividido - Zelaya e Micheletti são deste partido.

Os partidários do presidente deposto afirmam ter 17 votos entre os nacionais, além de cinco de legendas menores. Assim, os 55 deputados do Partido Liberal, de Lobo, deverão decidir se Zelaya volta ao poder. O candidato afirmou ontem que reunirá sua bancada - e fontes dizem que ele deve pedir um voto favorável a Zelaya.

A OEA anunciou ontem que o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos e a secretária de Trabalho dos EUA, Hilda Solís, farão parte da missão que verificará a entrada em vigor do governo de coalizão em Honduras.