Título: De olho em 2010, Lula reforça intervenção na economia
Autor: Oswald, Vivian; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 03/11/2009, O País, p. 3
Governo quer teoria do Estado forte de volta à pauta eleitoral. "Não se pode transformar empresas em repartições públicas", contesta FH
e Cristiane Jungblut BRASÍLIA
O debate sobre a exploração do petróleo na camada do pré-sal e as recentes divergências entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Vale, Roger Agnelli, anteciparam uma discussão que deve ganhar os palanques na eleição de 2010: a maior presença do Estado na economia. Cada vez mais, a relação entre o Estado e o setor privado entrará na campanha da ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, segundo integrantes da equipe econômica. O tema também conta com a simpatia de outros pré-candidatos, como José Serra (PSDB), Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV).
Em mais de uma ocasião, Dilma enfatizou que ¿a tese do Estado mínimo é uma tese falida¿. As turbulências provocadas pela crise econômica deram ao governo a chance de reforçar a tese de que o Estado é necessário para garantir a estabilidade e sustentar a economia quando o setor privado se retrai. No auge da crise, houve uma intervenção explícita para que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal reduzissem taxas de juros.
Oposição condena a reestatização
No Congresso, parlamentares governistas endossam a postura do presidente Lula, inclusive em relação à política de aumento dos gastos públicos, defendendo um Estado mais atuante. Já a oposição condena a tentativa de reestatização.
Os governistas acreditam que o debate sobre o tamanho do Estado voltará na eleição do ano que vem, sobretudo com o pré-sal, e que o governo Lula é quem sairá ganhando com ele.
¿ É um dos diferenciais entre o nosso governo e o do presidente Fernando Henrique Cardoso, que estarão em análise no país (em 2010). Houve um conjunto de mudanças importantes para o país, por conta de um Estado mais eficiente.
Houve o fortalecimento da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, capitalização do BNDES. E no pré-sal, o novo modelo amplia o papel da Petrobras ¿ disse o líder do governo na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT-RS).
¿ A oposição vai querer mascarar o debate real. Nós experimentamos um modelo e, eles, outro. Esse debate não interessa para eles, interessa para nós ¿ acrescentou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).
Para a oposição, está clara a conotação eleitoral do debate: ¿ O governo acha que pode ganhar a opinião pública com o debate entre o público e o privado. Eles estão achando que podem tornar viável a candidatura da Dilma como grande defensora e realizadora do Estado. Dilma quer se apresentar como o novo Stálin brasileiro, comandante dos planos integrados de desenvolvimento ¿ diz o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).
¿ Há uma política de aumentar o gasto público ¿ criticou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), para quem o atual governo se caracteriza pela gastança fiscal mesmo em momentos de queda de arrecadação, como na crise deste ano
¿Nem estatismo nem estadofobia¿
Na campanha eleitoral de 2006, já houve um embate entre o presidente Lula e o tucano Geraldo Alckmin sobre a questão das privatizações feitas na década de 1990. O governo espera repetir este debate na eleição de 2010. Para o cientista político da UnB Leonardo Barreto, não se trata apenas de uma situação macroeconômica propícia ao aumento do Estado, mas de uma disposição ideológica.
¿ É algo da Dilma, das pessoas que estão com ela. O Serra tem simpatia pela ideia e era uma voz destoante no passado. O Ciro talvez seja o que menos tenha isso, embora esteja em um partido socialista ¿ avalia Barreto.
A senadora Marina Silva (AC), pré-candidata do PV à Presidência, adota uma postura diplomática ao tratar do assunto: ¿ O tamanho da participação do Estado na economia não tem regra geral para todos os períodos e circunstâncias.
Em certos períodos, e para determinados setores, ela pode ter que aumentar. E em outros cenários, ao contrário, o dinamismo e a competitividade da economia nacional podem exigir que o Estado se retire de funções que foi obrigado a cumprir quando as condições eram diversas. Nem estatismo, nem estadofobia.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ao GLOBO que o tamanho do Estado é uma questão secundária: ¿ O Estado tem que ser competente.
Não se pode trazer de volta a ideia de transformar empresas em repartições públicas. A governança tem que ser empresarial.
Caso contrário, vira divisão entre partidos políticos.
Fernando Henrique destaca que este debate serve de cortina de fumaça para encobrir um Estado mais ineficiente, cujo trabalho acaba se perdendo em interesses de partidos.
¿ Abre caminho para que tenha a forma não de empresa privada, mas de partido, que é privado também.
Segundo o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, ¿erram aqueles que acham que o Estado dos anos 60 está de volta¿: ¿ A visão estatizante deste governo esteve adormecida desde a posse de Lula. Grupos mais radicais dentro do partido tiveram que engolir a preservação da estabilidade e da necessidade de independência do Banco Central. Agora, há uma combinação diabólica de circunstâncias que permitem o retorno destas pessoas.
Insatisfeito com a forma como Roger Agnelli conduziu a Vale no auge da crise ¿ demitindo funcionários e paralisando investimentos ¿ Lula chegou a dar puxões de orelha públicos no comandante de uma empresa de capital misto na qual o governo é apenas um dos acionistas.
Novos desenhos institucionais vão dando conta de um Estado que interfere de forma maciça em diversos setores da economia. Esta sempre foi a posição de uma ala mais radical do PT, que se retraiu diante do desafio de conter o mercado financeiro no momento em que Lula chegava ao poder em 2002.
O novo marco regulatório do présal prevê o controle, pela União, do ritmo e da quantidade da produção e da atuação das empresas privadas por meio da estatal Petro-sal. A Petrobras será a operadora única de todos os poços e exclusiva de áreas que o governo considere estratégicas