Título: Trabalho menos infantil
Autor: Almeida, Cássia; Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 03/11/2009, Economia, p. 19
Ocupação de crianças no país caiu mais do que no mundo, apesar de ainda atingir 1,7 milhão
RIO e CABO DE SANTO AGOSTINHO (PE)
No município do Cabo de Santo Agostinho ¿ a 41 quilômetros de Recife ¿, até meados da década passada, era muito comum encontrar ao longo das rodovias famílias inteiras caminhando para os engenhos, com meninos de 6 e 15 anos que iam cortar cana. Josenildo Francisco dos Santos, 16 anos, aluno da 5asérie do ensino fundamental, não gosta de falar do trabalho na enxada, no engenho São Salvador. Muito timidamente ele fala que já ajudou o pai a cortar cana, mas deixou o serviço desde que foi incluído no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal.
O menino não gosta de se lembrar ¿daquela época¿. Reclama das dores nas costas que o trabalho na enxada ainda provoca.
¿ Muitos meninos já trabalharam no corte de cana, mas hoje têm vergonha de dizer ¿ afirma ele.
Essa situação deixou de ser realidade para Josenildo e para mais de três milhões de crianças e adolescentes de 5 a 14 anos nos últimos 15 anos. Em 1992, 13% dessa faixa etária estavam no trabalho. Em 2008, essa parcela caiu para 5%. Mantida essa velocidade na redução do trabalho infantil, em 25 anos, serão 340 mil frente ao 1,7 milhão de hoje, segundo Ricardo Paes e Barros, autor do estudo inédito que será publicado no Boletim de Mercado de Trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), este mês.
¿ O ritmo da queda é bem superior ao das metas do milênio: reduções à metade ou a um terço em 25 anos. A velocidade também é superior ao ritmo mundial em duas vezes. Porém, o Brasil ainda continua atrás de alguns países da América Latina como Colômbia e Costa Rica ¿ explicou Paes e Barros.
Diante do sucesso das políticas adotadas no Brasil no caminho da erradicação do trabalho infantil, Renato Mendes, coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), anuncia que essas políticas serão exportadas.
¿ Estimamos que, em dois anos, o Brasil tenha erradicado o trabalho infantil de 5 a 9 anos (em 2008, 141 mil crianças dessa faixa etária trabalhavam).
A experiência do Brasil será levada para Bolívia, Paraguai, Equador, El Salvador, Haiti, Timor Leste, Angola, Moçambique e GuinéBissau. Há décadas de diferença em termos de conquistas em relação a esses países ¿ diz Mendes.
OIT: ritmo de queda deve aumentar
Em outro ponto do estudo, os pesquisadores ¿ o trabalho é feito em parceira com Rosane Mendonça, professora da UFF ¿ constataram que a redução da pobreza respondeu por apenas 20% da queda do trabalho infantil em 15 anos.
¿ Mesmo no Nordeste, com pais analfabetos, houve redução do trabalho infantil. As políticas específicas como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e as condicionalidades impostas pelos programas de transferência de renda, como Bolsa Família, que exige a frequência à escola, foram mais eficazes para tirar as crianças do trabalho ¿ diz Paes e Barros.
Apesar de ter um ritmo menor na redução do trabalho infantil em comparação com a América Latina, o Brasil tem a quarta menor parcela de crianças no trabalho no continente.
E comparando o Brasil com países que têm a mesma renda per capita, o trabalho infantil deveria atingir 7% das crianças nessa idade.
¿ Isso significa que o Brasil é mais eficiente que países com a mesma renda no combate ao trabalho precoce ¿ explica Paes e Barros.
E essa velocidade do Brasil em tirar as crianças do trabalho deve aumentar, segundo Mendes, da OIT.
Ele informou que, na última semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de emenda constitucional que torna obrigatório o ensino de 4 a 17 anos: ¿ Será uma diferença gigantesca no combate ao trabalho infantil. O projeto tem boa aceitação também no Senado. Essa é uma pendência do Brasil com a OIT. Quando o país ratificou a convenção 138, que estabeleceu 16 anos como idade mínima para trabalhar, e se comprometeu a aumentar a frequência escolar obrigatória.
Mendes, porém, afirma que o ritmo diminuiu desde 2000. Para ele, a resposta está em outra conclusão do estudo de Paes e Barros. Essas crianças trabalhadoras representam o núcleo mais difícil de combater: na agricultura, nas casas das famílias ¿ o trabalho infantil doméstico foi incluído na lista de piores formas de trabalho ¿ e na informalidade urbana.
Incidência maior entre negros
Paes e Barros constatou que nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis, a prevalência do trabalho infantil é de 20%, cerca de quatro vezes a média nacional. Neste grupo no qual a chance de a criança trabalhar é maior, ¿71% das crianças são negras, contra 58% na população total; 69% vivem em áreas rurais, contra 18% na população total; 68% vivem na região Nordeste, contra 33% na população total. Além disso, neste grupo de alta incidência do trabalho infantil, a renda per capita é apenas 44% da média para todas as famílias com crianças.
Erivaldo Ferreira, com 18 anos, era atendido pelo Peti até os 16 anos e ainda tenta esquecer os tempos do corte de cana em Pernambuco: ¿Trabalhei como clandestino. Nunca vou esquecer. Todo dia tinha dor na coluna e no braço.