Título: Entre meninos de rua, 80% já fumam crack
Autor: Borges, Waleska; Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 04/11/2009, Rio, p. 14

Prefeitura anuncia a criação de três centros de atendimento, com 60 vagas, com internações a partir de hoje

DEPOIS QUE os mais velhos fumam crack, chega a vez de o menino se drogar, junto às grades de acesso ao bosque do Outeiro da Glória

O Rio tem entre 700 e 750 crianças e adolescentes que vivem na rua e, segundo o secretário municipal de Assistência Social (SMAS), Fernando William, 80,9% deles usam crack. De acordo com o secretário, o número de menores viciados nesta droga tem crescido desde 2005, quando era de 13%, subindo para 33% em 2006, para 49% em 2007 para 69% em 2008. A SMAS chegou a esta estimativa baseada nos atendimentos aos menores que foram abordados nas ruas, levados para abrigos ou internados.

¿ Os números revelam que essas crianças e adolescentes já não usam mais cola de sapateiro ou tíner. Eles estão se destruindo gradativamente pelo crack ¿ lamentou William.

A prefeitura anunciou ontem um plano de ação contra o uso do crack. Ao lado do prefeito Eduardo Paes e dos secretários de Saúde, Hans Dohmann, e de Educação, Cláudia Costin, William anunciou a criação de três Centros de Atendimento para Tratamento de Crianças e Adolescentes Usuárias do Crack, com um total de 60 vagas. Um deles, em Campo Grande, para 20 meninos. Outros dois, em Sepetiba, com 40 vagas para meninos e meninas. As três unidades ¿ com espaço para lazer e profissionais especializados ¿ começam a receber menores para internação já a partir de hoje. Até ontem, a prefeitura tinha à disposição para internação, nesta faixa etária de usuários de crack, apenas 12 vagas na Casa Viva, em Vila Isabel. Na semana passada, apenas cinco vagas eram ocupadas.

¿ Cada menino usuário de crack que está internado em abrigo nosso custa R$R$2.500 ¿ informou William.

Além dos três centros de internação, segundo Paes, ainda este mês serão inauguradas duas Embaixadas da Liberdade, que são casas de acolhimento para os menores que usam o crack. No local, eles apenas passam o dia. Também em novembro, está prevista a criação de 20 vagas em abrigo para o internamento de mulheres adultas e usuárias de crack. No plano da prefeitura há outras medidas no combate ao uso da droga, como uma campanha publicitária para sensibilizar a sociedade e a capacitação de profissionais de assistência social e saúde.

Segundo Cláudia Costin, professores da rede municipal serão capacitados para identificar nas escolas sinais de que as crianças estão se envolvendo com crack. Os estudantes também vão receber cursos sobre os malefícios das drogas.

¿ É nossa obrigação afastar a criança antes que ela se envolva com o crack ¿ disse ela.

No lançamento do plano, ontem à tarde no Palácio da Cidade, Paes chamou o problema do crack de ¿crise aguda¿:

¿ Não há uma solução nem resposta simples. Esta é uma luta constante de políticas públicas. O mais importante aqui é o trabalho da Secretaria de Educação porque é de prevenção.

Já Dohmann lembrou que, a partir do próximo ano, serão criados dois Centro de Atenção Psicossocial ( CAPs) para atendimento ambulatorial dos usuários. Hoje existem dois. Também será intensificado o atendimento emergencial nos nossos quatro grandes hospitais.

Na Associação São Martinho, até antes de 2008 o maior problema com os 50 jovens atendidos na entidade diariamente era o consumo de tíner. Hoje, 90% deles são usuários de crack, segundo o coordenador social, Leonardo Costa. O problema levou o superintendente da São Martinho, Luiz Bazílio, a pedir ajuda ao Ministério Público em abrul, através de um texto sob o título ¿SOS Lapa¿.

No âmbito estadual, a Fundação para a Infância e Adolescência (FIA), está em fase de renovação de convênio com o governo do estado, pelo qual receberá R$4,6 mihões. Para a presidente da FIA, Elen Peres, as crianças mais pobres devem ter prioridade no tratamento. Ela informou ainda que até janeiro será inaugurado o primeiro centro da atendimento integrado para crianças e adolescentes meninas, em Jacarepaguá. Serão 20 vagas para internação e 40 de convivência/dia:

¿ Temos 1.460 vagas, entre elas 55 para internação, sendo 35 para meninos e 20 para meninas (em Barra Mansa). Em novembro serão transformadas 750 vagas para prevenção em ambulatório em convivência/dia. Haverá psicólogos, assistentes sociais, oficinas, tudo para reinseri-los na escola.

Para o ex-juiz da Infância e Juventude, desembargador Siro Darlan, as medidas anunciadas pela prefeitura são importantes, mas ele acredita que a principal delas é a prevenção.

¿ Sessenta vagas para internação é apenas uma gota no oceano. Ainda é uma medida tímida, um paliativo no universo das pessoas dependentes dessa droga. A solução passa por campanha educativas nas escolas, na orientação das famílias e em melhores investimentos na saúde e na educação.

A promotora Karina Fleury, da 7ª Promotoria da Infância, da Juventude e do Idoso, apregoa a necessidade de criação de um plano emergencial de assistência aos usuários. Para ela, antes de serem levados para abrigos eles deveriam ser encaminhados para hospitais gerais.

¿ Isso é para saber o que a droga já causou ao organismo. A partir daí, comunica-se ao Conselho Tutelar da região para encaminhá-lo ou não a um abrigo ¿ explica.