Título: Um cartel de obras públicas
Autor:
Fonte: O Globo, 05/11/2009, Rio, p. 14

Polícia Civil desarticula uma quadrilha de empresários e servidores do estado

POLICIAIS EM condomínio em São Conrado, um dos locais onde foram apreendidos documentos na operação, deflagrada após um ano e quatro meses de investigação

AGENTES DA CORE em um endereço na Penha, onde funcionaria uma empresa

Dimmi Amora e Vera Araújo

Oúcleo de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil desarticulou ontem uma quadrilha suspeita de fraudar licitações, nas quais uma das principais lesadas era a própria instituição policial. Os investigadores concluíram, após uma investigação de um ano e quatro meses, que um grupo de empresários e servidores públicos, como um inspetor e um engenheiro lotado no setor técnico de planejamento da Polícia Civil, faziam parte do esquema. A polícia estima que 12 empresas, a maioria empreiteiras, tiveram pelo menos R$100 milhões em contratos superfaturados com diversos órgãos públicos, nos últimos três anos. O lucro dos fraudadores pode chegar a R$20 milhões.

Com base na análise dos primeiros documentos apreendidos por determinação judicial, a polícia concluiu que eles já se preparavam para fraudar licitações de obras para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A polícia vai pedir a prisão temporária e indiciar 12 pessoas, que responderão por formação de quadrilha e corrupção ativa.

Propina variava de R$6 mil a R$15 mil

As empresas, que atuavam no setor da construção civil, participavam da licitação para direcionar o resultado e beneficiar uma delas, que saía vencedora. Calcula-se um superfaturamento de 10% a 20% do valor total. Além da questão do sobrepreço, havia o esquema de propinas para as empresas que participavam da licitação. O objetivo era que elas entrassem com o preço combinado ou não apresentassem a documentação necessária para que fossem desclassificadas. A propina variava entre R$6 mil e R$15 mil.

Há fortes indícios de superfaturamento em contratos com a Polícia Civil, inclusive nas obras, coordenadas pelo Grupo Executivo do Programa Delegacia Legal, com a Uerj; com o Hospital Lourenço Jorge, na Barra; com prefeituras, incluindo a do Rio, secretarias estaduais e municipais e órgãos federais, entre eles a Infraero.

De acordo com o delegado Flávio Porto, responsável pela Operação Monopólio, que envolveu 120 policiais, documentos foram apreendidos ontem em 30 endereços de empresas e residências de empresários, onde foram cumpridos os mandados de busca e apreensão. A corregedoria interna da Polícia Civil e o núcleo trabalharam integrados para apurar a participação do inspetor de Polícia Civil, Sérgio Luiz da Rocha Renzeti, sócio-gerente de duas empresas: Stone Engenharia e Rocha Moura Engenharia. As duas firmas são ligadas a uma das concorrentes nos contratos da polícia.

Durante as investigações, a polícia chegou a ver Renzeti com Carlos Alberto Alves Pontes, técnico em Planejamento, que já foi chefe do Serviço de Supervisão de Projetos de Engenharia da instituição. Pontes facilitava também a entrada de empresários na sede da Polícia Civil, na Rua da Relação, sem justificativa, conforme consta no inquérito.

A investigação começou a ser feita pela Comissão Permanente de Licitações da Polícia Civil que, durante as análises dos contratos, percebeu que as empresas se revezavam durante as concorrências de obras públicas. A partir daí, com a criação do núcleo de lavagem de dinheiro da Polícia Civil, en 2008, o delegado Flávio Porto, aprofundou as investigações fazendo consultas à Coaf, à Receita Federal e a outras instituições.

Depois de investigar cada empresa e os contratos, entre elas e os órgãos públicos, a polícia passou a monitorar as ações da quadrilha, por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça. Foram flagradas conversas entre representantes das empresas e funcionários públicos, o que confirma a participação de servidores nas fraudes.

¿ Percebemos que algumas empresas entravam na concorrência, mas desistiam no curso da licitação por motivos infundados ou apresentavam documentação irregular. Elas faziam uma espécie de revezamento e dividiam o lucro entre elas, formando um cartel. Daí em diante, aprofundamos as investigações ¿ explica o delegado Flávio Porto.

O objetivo principal da operação de ontem era reunir documentos que comprovassem a fraude e a possível lavagem de dinheiro do grupo criminoso organizado. Alguns empresários moram em São Conrado, Barra da Tijuca e em Itaipuaçu (Maricá) em condomínios de luxo.

¿ Agora, com o resultado dos documentos e os computadores apreendidos teremos provas suficientes para pedir a prisão temporária de pelo menos 12 pessoas, que serão indiciadas ¿ adiantou Porto.

Segundo o delegado, foram identificadas pelo menos quatro empresas que informaram endereços fictícios como sedes. Ele disse também ter recebido informações de que as empresas prejudicavam outros concorrentes que não queriam entrar no esquema do rodízio de empresas com o preço combinado.