Título: MST escolheu a violência
Autor: Critsinelis, Marco Falcão
Fonte: O Globo, 07/11/2009, Opinião, p. 7

Não há movimento social mais legítimo do que a luta daqueles que querem terra para cultivar. Trata-se de resgate da cidadania histórica para a efetiva base de um país/Estado fundado, como o Brasil, na social-democracia.

O movimento representado pelo MST remonta às capitanias hereditárias e às culturas de latifúndios que deram origem às desigualdades que hoje convivemos como filhos do capitalismo selvagem.

A função social da propriedade privada é um dever cívico imposto ao poder público e aos proprietários em geral. Nessa modernidade de valores políticos e jurídicos, instala-se o epílogo desse confronto entre o aparelho estatal e os campesinos, com a CPI do MST.

O pano de fundo dessa ocorrência, porém, deve ser realçado para que os vetores da equação sejam conferidos: o direito legítimo a uma política pública da terra versus a ilegalidade da atuação do MST versus a omissão do poder público na satisfação dessa dívida social.

Opto, dentre as alternativas, pela grave omissão dos governantes ao longo da história.

A Constituição e as leis estão repletas de comandos e instrumentos para que o administrador público informe, oriente, aja e satisfaça a dívida entre o trabalhador do campo e a propriedade rural. É certo, todavia, que só o Estado intervindo poderá resolver a demanda, pois ambos atores sociais desconhecem o valor do manto de um estado de direito.

O MST não digladia com as armas jurídicas, mas com a violência. O latifúndio exerce a sua propriedade como objeto de um absolutismo individual pleno, de tempos feudais.

A terra improdutiva, a propriedade mal utilizada e a gleba que produz produtos proibidos caracterizam ilícito político, social e penal, respectivamente. O trabalhador rural tem direitos sobre elas. E esse direito deve ser satisfeito pelo poder público, sob pena de omissão.

Os instrumentos postos à disposição desses agentes são muitos. Cito apenas um exemplo: Art. 243 da Constituição Federal de 1988, cuja execução é viabilizada pela Lei no8.257, de 26/11/1991, e regulamentada pelo Decreto no557, de 24/06/1992.

Diante desse quadro legal, o Poder Legislativo cumpriu seu papel de normatizar situações conflituosas. No âmbito do Poder Judiciário, está instalado o Sistema Nacional de Bens Apreendidos ¿ SNBA. Temos as leis e as glebas cadastradas quando vinculadas ao crime e seu processo judicial, com destinação final dirigida ao poder público.

Resta questionar acerca do destino da reforma agrária, cuja ações dependem do Poder Executivo para a efetivação da justiça social de terras, o próprio equilíbrio das forças do trabalho e do capital e a harmonia no campo. Essa atuação reflete diretamente sobre a fome, a movimentação populacional entre as regiões e o futuro produtivo do manancial de bens e insumos não industrializados e, indiretamente, sobre o desemprego, a ocupação desordenada das cidades e a segurança pública em geral.

Podemos esperar, portanto, bons resultados da CPI no Congresso, já que, necessariamente, a abordagem será ampla, pois um argumento sempre leva ao outro, e de outro para as causas, efeitos e suas responsabilidades

MARCO FALCÃO CRITSINELIS é juiz federal no Rio.