Título: Lentidão do Brasil permite avanço da China no comércio internacional
Autor: Batista, Henrique Gomes; Melo, Liana
Fonte: O Globo, 08/11/2009, Economia, p. 36

Algumas firmas ignoram dólar e reclamam da ineficiência que limita mercado

Henrique Gomes Batista, Liana Melo e Ronaldo D¿Ercole

RIO e SÃO PAULO. O pequeno empresário João Neto, dono da pernambucana Jovera, sofre mais com a ineficiência logística brasileira que com o câmbio valorizado.

Suas roupas fazem sucesso em Angola, onde as novelas brasileiras criam ¿ literalmente ¿ moda. Com esse diferencial, consegue exportar para o país africano mesmo com produtos mais caros que os dos concorrentes chineses.

¿ É claro que isso nos preocupa.

Se o dólar voltar a valer R$ 1,50 ficará muito difícil, até porque a gente tem custos que os chineses não têm. Minha mercadoria demora até 60 dias para chegar à África, enquanto o produto asiático chega a Angola em 15 dias ¿ constata.

Burocracia vira entrave intransponível à exportação Neto critica ainda a burocracia brasileira, afirmando que ela acaba minando parte de sua margem de lucro: ¿ Com estes problemas, já soube que há uma empresa chinesa que está copiando os modelos brasileiros, ou seja, estão roubando o nosso diferencial.

A avaliação de Neto não é uma reclamação isolada. O executivo paulista Djalma Luiz Rodrigues, da Fanem, firma especializada em equipamentos neonatal, diz que o ¿câmbio é o menor dos problemas, já que o maior entrave no Brasil é a burocracia¿: ¿ Queremos exportar mais e não podemos, porque não temos Certificado de Livre Venda ¿ cutuca ele, referindo-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quem cabe liberar este tipo de certificação.

¿ Sem este papel, não podemos disputar determinados mercados no exterior.

Calçados brasileiros já chegam à China Diante da escalada chinesa, a Bordello Artefatos de Couro criou sua própria marca, a Anatomic Gel, e, por meio de um representante sediado em Londres, passou a vender diretamente no mercado europeu. Feitos de couro especial e revestidos de pele de carneiro, e vendidos ao preço de 90 libras (cerca de R$ 300), os modelos da Anatomic Gel hoje competem lá fora com marcas fortes dos chamados ¿calçados de conforto¿, como a Ecco e a Clarcks.

A Anatomic Gel comercializa 200 mil pares anuais na Europa, metade de toda a produção da Bordello. E começa a entrar no mercado americano, para onde já enviou três representantes para vender seus calçados.

Algo improvável começa a acontecer até mesmo no setor de calçados, um dos mais combalidos com a desvalorização cambial: exportar para a China, terra dos arquirrivais. A Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados) já organizou duas missões de empresários brasileiros para prospectar aquele mercado. Alguns fabricantes já conseguem vender modelos mais caros para lá, apesar do fascínio que grifes renomadas como Prada e Chanel exercem sobre os novos ricos da China.

O objetivo da Abicalçados é consolidar uma imagem de produto brasileiro de alto padrão, o que ainda é um grande desafio.

O país já consegue exportar os sapatos brasileiros para o sofisticado mercado italiano. Entre janeiro e setembro, foram exportados 3,5 milhões de pares de calçados. O preço médio de venda foi de US$ 19,30 por par exportado, quase o dobro do valor praticado no mercado internacional pelos sapatos brasileiros: US$ 10,84.

A produção total do setor calçadista brasileiro somou 800 milhões de pares em 2008, dos quais 165 milhões (ou 20,6%) foram exportados. De janeiro e setembro, foram embarcados 93,8 milhões de pares, uma queda de 26,5%.