Título: Drible no câmbio
Autor: Batista, Henrique Gomes; Melo, Liana
Fonte: O Globo, 08/11/2009, Economia, p. 35

Real em alta obriga empresário a cortar custo, mudar produtos e importar insumos

Henrique Gomes Batista, Liana Melo e Ronaldo D¿Ercole RIO e SÃO PAULO

A enxurrada de dólares no país nos últimos meses está obrigando grandes empresas e pequenos empreendedores a mudarem suas estratégias. Num cenário internacional onde o real já virou a moeda mais valorizada entre os emergentes, só resta às companhias brasileiras, sobretudo as exportadoras, se reinventarem. A solução é cortar custos, mudar produtos e importar insumos.

É adaptar-se ou correr o risco de perder mercado, já que dez entre dez analistas acreditam que o país continuará recebendo uma chuva de dólares. Em menos de um ano, o real já acumula valorização de 47,52% ¿ desde 4 de dezembro de 2008, quando a moeda americana atingiu seu recorde mais recente, R$ 2,536. Na última sextafeira, o dólar fechou a R$ 1,719, no quarto dia de queda consecutiva. Essa realidade exige soluções diferentes.

Empresa especializada em acessórios para microfones, a paulista SabraSom começou a exportar em 1999, quando houve a mudança cambial no segundo governo de Fernando Henrique.

Dez anos depois, a empresa exporta seu mix de 18 produtos para Europa, Estados Unidos e Japão. A firma está prestes a fechar um novo contrato com países do Oriente Médio, que estão interessados em levar os microfones da Sabra-Som para seus palcos e estúdios de som.

Para manter o faturamento no mesmo patamar do período pré-crise ¿ US$ 500 mil anuais ¿ a Sabra-Som aumentou em 30% suas exportações.

O incremento das vendas acabou gerando um aumento de produção, que, no entanto, não foi acompanhado de novas contratações. É que a ampliação do número de funcionários implicaria uma pressão de custos.

¿ Não adianta sentar e chorar, até porque envelhece. A crise serve para se mexer, não para ficar acomodado. É na crise que surgem as oportunidades ¿ avalia Lisa Werner, sócia-diretora da empresa, garantindo que, como seu produto é especializado, ela está conseguindo se manter no mercado internacional, mas admite que não dá para forçar um aumento do preço em dólar. ¿ O ideal seria trabalhar com um câmbio na casa dos R$ 2,30.

Gerdau já cortou R$ 2,4 bi em custos

Não é qualquer empresa que pode se dar ao luxo de compensar as perdas acumuladas com as exportações com o aumento do preço do produto em dólar. A Vale pode. A regalia só ocorre porque a mineradora atua em um mercado oligopolizado, onde os principais players também estão padecendo do mesmo mal. Enquanto aqui, só este ano, o real já se valorizou, de janeiro e até a última sexta-feira, 26,32% frente ao dólar, na Austrália, onde estão as gigantes BHP Billiton e Rio Tinto, a valorização da moeda australiana frente à americana é de 30%.

¿ Vai ser uma negociação dura, mas o mercado já está trabalhando com um patamar de aumento do minério no mercado internacional de 20% em 2010 ¿ admite o analista de mineração e siderurgia do Banco Geração Futuro, Rafael Weber.

Além do aumento do preço em dólar, o receituário para driblar a queda da rentabilidade nas exportações, que foi de 24,6% de janeiro a outubro em comparação com o mesmo período de 2008 (US$ 125,8 bilhões contra US$ 179,3 bilhões no ano passado), vai da busca de novos mercados à redução de custos, com a importação de insumos. Outra saída tem sido o lançamento de produtos com maior valor agregado e mudança no mix dos produtos e fornecedores.

A Gerdau, por sua vez, está fazendo de tudo um pouco: desligou altosfornos, cortou pessoal e, sobretudo, negociou contratos com fornecedores de insumos. Com esse conjunto de medidas, a siderúrgica já conseguiu reduzir seus custos de produção em R$ 2,4 bilhões. Os custos fixos, que no fim do ano passado se aproximavam de 30%, passaram a responder por 21% dos custos totais em setembro.

¿ Para qualquer exportadora, a apreciação da moeda local é ruim. E como não temos como mudar o câmbio, fizemos a única coisa que podíamos, otimizando a produção ¿ disse o vice-presidente financeiro da Gerdau, Oswaldo Schirmer.

Marca, tecnologia e inovação são saídas

O diretor de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Ricardo Martins, confirma que empresas como a Gerdau têm margem para ¿gerenciar melhor¿ seus custos, melhorando os processos de produção, mas, principalmente, negociando condições mais favoráveis com os fornecedores de insumos.

¿ As empresas precisam avaliar sua situação. Muitas podem compensar a alta do dólar com a importação de insumos; outras, voltando-se para o mercado interno. Cada caso exige uma solução, o que não pode é ficar parado ¿ comenta Luis Afonso Lima, da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet).

A pernambucana Rota do Mar, especializada em moda surfe no Pólo Têxtil do Capiberibe, optou por parar de exportar. A mudança de estratégia, no entanto, não é motivo de reclamação de Arnaldo Xavier, dono da empresa. Muito pelo contrário. O empresário está satisfeito com a redução do preço do dólar, porque acabou permitindo que sua empresa se aperfeiçoasse, comprando máquinas de alta tecnologia do Japão e da Itália: ¿ Se fosse competir em preço, não conseguiria vender nem no Brasil, porque os produtos chineses são mais baratos. Estou investindo em marca, em ter um diferencial. A Rota do Mar está em todas as revistas de surfe do país ¿ diz, lembrando que também está aproveitando o real forte, que já acumulou uma valorização de quase 130% desde 2002, para comprar parte dos insumos, como tecidos e produtos químicos, de outros países.

O diferencial da moda brasileira e o aquecimento do mercado interno são as armas que Fábio Quintiliano, da empresa pernambucana de moda praia Isca Viva usa para driblar a alta do real: ¿ Nós exportamos para a Europa, principalmente Itália e França, biquínis brasileiros, que têm como apelo o corte. Apesar de nossas expor tações terem caído, estamos com produtos de maior valor agregado.

Antes da crise, a empresa exportava entre R$ 10 mil a R$ 12 mil por mês; agora, suas vendas para o exterior caíram para algo em torno de R$ 5 mil.

¿ Mas meu faturamento não caiu, pois estou vendendo no mercado doméstico, que está muito aquecido e não enfrenta tanta concorrência externa, afinal chinês não sabe fazer biquínis, não como os nossos. Nesse nicho de mercado dá para driblar o câmbio e os chineses ¿ diz Quintanilha.

O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, está convencido de que o país precisa atualizar sua pauta de exportações, passando a apostar em produtos de maior valor e não em commodities, como tem feito.

Dólar fraco não assusta Jorge Fernandez, da carioca Maemfe, que vê no crescimento do mercado de petróleo a chance para ocupar o espaço que hoje é de empresas estrangeiras no fornecimento de produtos metálicos de segurança para exploração de óleo em alto mar. Prestes a firmar acordos com empresas da Alemanha, Irlanda e Noruega, ele confia no seu trabalho, que em breve também será exportado: ¿ Com tecnologia de ponta, sou competitivo. Claro que o dólar preocupa, mas a inovação conta mais.