Título: Um operador nos bastidores da Justiça do Rio
Autor: Otavio, Chico; Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 08/11/2009, O País, p. 13

Eduardo Raschkovsky é acusado de vender sentenças a políticos, usando rede de relações no Judiciário; ele nega

O sobrenome, cheio de consoantes, é complicado e dissonante.

Mas quem conheceu não se esquece de Eduardo Raschkovsky. Há pelo menos uma década, este empresário e estudante de Direito age à sombra da Justiça fluminense, oferecendo sentenças e outras facilidades em troca de vantagens financeiras. Para convencer a clientela ¿ políticos, empresários, tabeliães ¿ a topar o negócio, alardeia sua intimidade com alguns juízes e desembargadores, chegando a antecipar decisões em causas ainda não julgadas.

Mesmo depois de ser acusado por uma juíza de ¿lustrar os sapatos nos tapetes vermelhos do tribunal¿, além de tentativa de suborno, Eduardo não se intimidou.

Continua buscando novos clientes, em assédios regados a vinho em sua casa no Itanhangá, e convivendo com magistrados. No dia 22 de outubro, por exemplo, abriu os salões da casa para homenagear aquele que cuida justamente da lisura do tribunal: o desembargador Roberto Wider, corregedor-geral da Justiça fluminense.

Sócio de doleiros investigados pela polícia (um deles por associação ao narcotráfico), envolvido em operações obscuras do grupo Opportunity, dono de uma empresa rastreada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf) por suspeita de lavagem de dinheiro, Eduardo usa a amizade com Wider, corregedor e expresidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ). O magistrado, que lançou no ano passado a campanha contra os chamados candidatos de ficha suja, disse que a relação limitase ao convívio pessoal, e que eles nunca fizeram qualquer tipo de negócio

Fichas-sujas: até R$ 10 milhões

Enquanto Wider comandava uma guerra sem tréguas contra os fichas-sujas, Eduardo atuou intensamente nos bastidores para oferecer blindagem aos políticos mais problemáticos.

Um ano depois das eleições, cinco deles e um advogado de candidato contam, em caráter reservado, que Eduardo pediu quantias variando de R$ 200 mil a R$ 10 milhões para limpar as fichas, livrando-os do risco de impugnação ou cassação do diploma.

As negociações aconteceram no Itanhangá e no escritório ¿L. Montenegro¿, que pertence ao sogro de Eduardo.

Os políticos ouvidos pelo GLOBO ¿ um prefeito, dois exprefeitos, um deputado federal e um estadual ¿ disseram que sua opção pelo sigilo de fonte foi motivada pelo medo de eventuais retaliações. Os cinco, somados ao advogado de um prefeito eleito, descreveram em detalhes a residência e o escritório de Eduardo Raschkovsky.

As descrições do empresário e de sua forma de abordagem ¿ incluindo a cobrança de propina ¿ também coincidem. Alguns dos políticos entrevistados são adversários e não se falam há anos.

Eduardo tem outros amigos de toga. Já foi sócio da mulher do desembargador Carpena Amorim, ex-corregedor-geral de Justiça, e oferecia periodicamente degustações de vinhos a magistrados em sua residência.

Ele mesmo afirmou que, no jantar do dia 22 de outubro, reuniu cincos desembargadores e dois juízes em torno de Wider.

Eduardo e Wider se encontram, no mínimo, uma vez por semana. Muitas vezes, jantam juntos no Iate Clube, segundo um dos garçons do restaurante, e um frequenta a casa do outro. No jantar, o desembargador cruzou o portão do condomínio no Itanhangá no carro da segurança do anfitrião.

Também já viajaram juntos para Israel e Inglaterra, em 2005, e passam fins de semana na casa de Eduardo em Nogueira, distrito de Petrópolis.

Em pelo menos uma ocasião, essa amizade se desdobrou em ação prática: sócios de Eduardo ajudaram a então mulher de Wider, Vera Lúcia Teixeira dos Santos, a fazer uma remessa de dólares para Portugal ¿ para uma agência do Banco Comercial Português em Lisboa ¿ pelo esquema paralelo ao Banco Central e investigado pela Operação Farol da Colina, da PF.

Wider mantém um vínculo forte com Portugual. Este ano, por exemplo, fez duas viagens longas para aquele país, ficando por lá mais de 40 dias. Um de seus planos é se aposentar e morar definitivamente em Portugal, razão pela qual requereu dupla cidadania.

Se Wider planeja se afastar do Direito, Eduardo trabalha para se aproximar ainda mais dele. Está se formando na Universidade Candido Mendes e quer virar sócio de seu sogro, o desembargador aposentado Antônio Lindbergh Montenegro.

Embora seu nome apareça vinculado a dez empresas, ele afirma que já abandonou o mercado imobiliário e de cobranças, onde atuou no passado

Sócio de doleiros investigados

Uma dessas empresas é a Ocean Coast (empreendimentos imobiliários), que teve dez sócios, entre os quais Marlene de Souza Carpena Amorim (de 2003 a 2004), mulher do ex-corregedor Carpena Amorim. A empresa é conhecida pela Polícia Federal do Rio, que já recebeu aviso do Coaf alertando sobre uma operação atípica em 29 de agosto de 2005: a Ocean Coast recebeu depósito de R$ 249 mil em espécie em sua conta corrente, dinheiro este de origem não justificada ¿ alguém chegou à boca do caixa e depositou a bolada na conta da empresa, típica operação de lavagem.

Entre as empresas sócias da Ocean Coast está a Davies Participações, dos doleiros cariocas Jorge, Raul e Guilhermo Davies.

Alvos de inquérito em andamento na PF sobre lavagem de dinheiro, os três eram donos da conta ¿Kiesser¿, aberta no Uruguai para criar um duto de evasão de divisas do Brasil.

Uma das remessas identificadas da ¿Kiesser¿, no valor de US$ 10 mil, em 2001, favoreceu Vera Lúcia Teixeira dos Santos, ex-mulher de Roberto Wider.

A associação com doleiros investigados pela polícia é uma característica dos negócios de Eduardo. Seu representante nos Estados Unidos, onde o empresário abriu a Inco Development (Brickell Key Dive suite 0-305, Miami), é o advogado Stephen A. Freeman. No ano passado, autoridades judiciárias peruanas pediram a prisão e extradição de Freeman, sob a acusação de lavagem de dinheiro associada ao narcotráfico