Título: Bicheiros pagaram festa para presidentes de TREs
Autor: Otavio, Chico; Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 10/11/2009, O País, p. 3

Em evento, ex-presidente do TRE do Rio homenageou integrantes da cúpula do samba do Rio investigados e presos por corrupção em 2007

Um show comandado pelo carnavalesco Milton Cunha, com a participação do dançarino Carlinhos de Jesus, marcou a última aparição pública do desembargador Alberto Motta Moraes como presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ). O evento, na Cidade do Samba, no dia 28 de agosto passado, encerrou um encontro do Colégio de Presidentes dos TREs no Rio. A pedido de Motta Moraes, a visita ao local, com direito ao show e a um coquetel oferecido aos desembargadores, parentes e assessores, foi patrocinado pela Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), controlada por bicheiros.

¿ O custo foi baixo. Entrou como gasto de representação ¿ alegou o presidente da Liga, Jorge Castanheira.

No evento, Motta Moraes rendeu homenagens, em seu discurso, aos bicheiros Aniz Abraão David, o Anísio, e Luizinho Drummond, ambos da cúpula da Liga. Anísio é um dos integrantes da cúpula da Liga indiciados, processados e presos (mais de uma vez) na Operação Furacão, em maio de 2007.

O pedido do TRE à Liga foi encaminhado pelo diretor-geral do tribunal, Ronaldo Sant¿Anna de Mesquita. No ofício, ele alega que ¿não há melhor demonstração cultural representativa da cidade, e até mesmo do Estado do Rio, senão uma `visão¿ do trabalho realizado pelas comunidades das escolas de samba do Rio, o que desperta a imensa curiosidade de qualquer cidadão¿. O TRE planejava levar à Cidade do Samba 150 pessoas, mas apenas 38 apareceram por lá.

Castanheira disse que a entidade ofereceu um ¿pocket show¿ a custo baixo ¿ não informou valores.

O evento ¿Conhecendo a Cidade do Samba¿, oferecido para presidente dos TREs de todo o Brasil, incluindo desembargadores que hoje são presidentes de Tribunais de Justiça em seus estados, teve 25 figurantes e coquetel do tipo comida de botequim, tudo pago pela Liga.

¿ Estamos saindo do engatinhar para o caminhar ¿ comentou Castanheira, ao explicar que a oferta grátis ajudaria a campanha de construção da imagem da Liga.

Motta Moraes responde a uma sindicância no CNJ

Perguntado se não se incomoda de patrocinar eventos para magistrados, uma vez que integrantes da cúpula da Liga têm graves problemas com a Justiça, Castanheira respondeu: ¿ Magistrados? Não. Ao que me consta, eram presidentes de TREs.

Sucessor do desembargador Roberto Wider na presidência do TRE-RJ, Motta Moraes ficou pouco mais de um ano no cargo (setembro de 2008 a outubro de 2009). Tempo suficiente para uma gestão polêmica. Amigo do lobista Eduardo Raschkovsky, acusado de vender ¿facilidades¿ em nome de desembargadores (um dos assessores de Eduardo frequentava a presidência do Tribunal), Motta Moraes responde a uma sindicância no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sob a acusação de favorecer, com suas decisões, um candidato a prefeito do Norte Fluminense.

A sindicância foi motivada por representação apresentada no CNJ pelo deputado estadual Alcebíades Sabino dos Santos (PSDB), que perdeu a eleição em Rio das Ostras, ano passado, para o prefeito reeleito Carlos Augusto Baltazar (PMDB). Os advogados de Sabino suspeitam que Motta Moraes teria interesse na causa, uma vez que o seu filho, Alberto Motta Moraes Júnior, teria cargo comissionado na Secretaria municipal de Turismo, Indústria e Comércio da cidade.

Os advogados sustentam que o filho nunca conseguiu comprovar seu desligamento da prefeitura e anexaram os DOs de Rio das Ostras referentes ao período de nomeação até a data da representação.

O ministro Gilson Dipp, corregedor do CNJ, considerou as denúncias graves, e estabeleceu recentemente prazo de 30 dias para Motta Moraes ser ouvido no Rio por um juiz federal.

Carlos Augusto já prestou depoimento. Sua gestão é marcada por turbulências jurídicas. O prefeito foi cassado em junho deste ano por 4 a 2 e ficou inelegível três anos por abuso de poder econômico. Votaram a favor do afastamento o relator do processo, Luiz Márcio Alves Pereira, os desembargadores Nametala Machado Jorge e Maria Helena Cisne e o juiz Luiz de Mello Serra.

Dois meses depois, Carlos Augusto voltou ao cargo na apreciação de embargos de declaração, por 3 votos a 2, após suposta manobra comandada por Motta Moraes. Mello Serra teve participação decisiva depois de ter votado contra o prefeito. Ele se declarou impedido de apreciar a causa no segundo julgamento porque o advogado do então prefeito teria procurado o escritório de seu pai para fornecer parecer sobre o caso.

Motta Moraes se declarou impedido de presidir a sessão por estar respondendo à representação.

O vice-presidente, Nametala Jorge, então, assumiu a presidência da sessão, o que o impediu de dar um segundo voto contrário ao prefeito, virando o placar no tribunal.