Título: Temperatura em alta
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Fonte: O Globo, 10/11/2009, Opinião, p. 7

Oclima está quente, literalmente. Os impactos da mudança climática afetam, notadamente, a temperatura da Terra.

Com o intuito de analisar o que poderia ser feito para reduzir o aquecimento global, diversos países se uniram e formaram, no âmbito das Nações Unidas, a UNFCCC, acrônimo que, em português, poderia ser traduzido como Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Passada mais de década da sua formação, a UNFCCC desenvolveu diversas iniciativas, incluindo a Eco ou Rio-92 e o moribundo Protocolo de Kyoto, que vê seus objetivos principais se esvaziarem, especialmente pela não adesão dos Estados Unidos.

Ciente da necessidade de alinhamento de interesses comuns, a UNFCCC organizará no próximo mês, em Copenhague, a iniciativa que pode ser considerada das mais importantes do século no cenário das mudanças climáticas. Com o objetivo principal de discutir formas de cooperação internacional no combate aos males da mudança climática, a reunião na cidade europeia pode não trazer os resultados esperados.

Não obstante a existência de posições diversas sobre questões como, por exemplo, metas de redução de emissão de gases e desenvolvimento de ações de cooperação, uma questão em particular está merecendo foco das discussões preparatórias da reunião de Copenhague: propriedade intelectual. Atualmente reunidos em Barcelona, na tentativa de melhor alinhar o texto final da futura nova proposta da UNFCCC a ser discutido pelos líderes de Estado em Copenhague, os negociadores internacionais não se desprendem da pauta da propriedade intelectual.

As posições oficiais dos Estados são divergentes sobre o futuro dos direitos de propriedade intelectual (DPIs) associados às tecnologias ambientalmente sustentáveis (TAS), costumeiramente conhecidas como verde ou limpa, que, basicamente, permitem maior controle da interferência nociva humana no meio ambiente. Os países em desenvolvimento e aqueles menos desenvolvidos, sob quase absoluta liderança brasileira, defendem que o atual regime de propriedade intelectual seja discutido, de forma a adaptar interesses específicos desse segmento tecnológico.

Com o argumento de que os DPIs impedem o acesso das TAS pelos países menos favorecidos economicamente e mais afetados pelas mudanças climáticas, um bloco de países defende propostas extremas, tais como a não patenteabilidade das TAS ou o desenvolvimento de mecanismo específico, que facilitaria a concessão de licenças compulsórias de patentes associadas às TAS.

A agenda da flexibilização de DPIs, que não é exclusiva da pauta atual da UNFCCC, não deve prosperar. Não bastante, a insistência na pauta poderá ser fator determinante do sucesso ou fracasso das negociações de Copenhague. Por mais de uma vez, os Estados Unidos e os países do bloco europeu afirmaram que a UNFCCC não é palco das discussões sobre DPIs e que, ao pressionarem quase que exclusivamente pela pauta da flexibilização, os países perdem a oportunidade de focar nos aspectos vitais à discussão climática.

Com efeito, a discussão sobre DPIs é secundária, na medida em que há de existir foco prioritário em aspectos estruturais, como metas de redução, investimentos e, especialmente, gestão de ações. Ao incluir a pauta de DPIs como vital na UNFCCC, os países do bloco favoráveis à flexibilização apenas replicam, em mais um palco multilateral, antiga estratégia contrária ao regime da proteção à inovação da iniciativa privada, que atende interesses ainda não integralmente transparentes.

O Brasil é peça fundamental na discussão da UNFCCC, mas perde uma oportunidade de liderar esse processo através do exemplo. Ao apoiar, mais uma vez, o modelo de flexibilização dos DPIs, nos responsabilizamos por parcela de eventual fracasso de Copenhague e, ao mesmo tempo, promovemos, internacionalmente, clara campanha de desestímulo à indústria de criação e inovação. Enquanto isso, a temperatura continua subindo...

BENNY SPIEWAK é advogado.

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