Título: O medo no itinerário
Autor: Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 10/11/2009, Rio, p. 10

Violência eleva em 17,5% número de ônibus depredados este ano; foram 809 em uma década

As imagens do fogo consumindo o ônibus, enquanto os passageiros se acotovelavam para escapar das chamas, surgem na memória do rodoviário X., de 38 anos, sempre que um coletivo passa à sua frente. O motorista, que teve o uniforme respingado por gasolina, espalhada no veículo por traficantes do Jacarezinho, abandonou o emprego na manhã de 17 de outubro. De janeiro até o último fim de semana, 67 ônibus foram queimados e depredados no Rio, número 17,5% superior aos 57 destruídos ano passado.

Além do prejuízo de R$16,7 milhões, o vandalismo orquestrado por integrantes de facções criminosas resulta em aumento de até dez minutos nos intervalos das linhas e num déficit de mão de obra, estimado pelo Sindicato dos Rodoviários do Rio em três mil vagas. De 2000 até o último fim de semana, a Fetranspor contabilizou 809 ônibus destruídos no Rio ¿ um prejuízo de R$202,3 milhões.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, a frota de uma empresa considerada de grande porte conta em média com 250 coletivos. De acordo com a relações-públicas da Fetranspor, Suzy Balloussier, a reposição de um ônibus queimado leva até 60 dias:

¿ Nesse período, as empresas são obrigadas a fazer remanejamento nas linhas para não prejudicar o usuário, mas o tempo de espera acaba aumentando.

O impacto na rotina dos passageiros não se limita ao aumento no tempo de espera por uma condução. Com menos veículos, as linhas mais prejudicadas pela ação dos vândalos circulam lotadas, e, em caso de novos ataques, há mudanças de itinerário.

Fazer seguro da frota é tarefa difícil

Segundo a Fetranspor, as perdas provocadas pela queima de ônibus não são compensadas. Os danos nos coletivos não podem ser incluídos na planilha de aumento de tarifa, e as empresas não encontram seguradoras dispostas a garantir a frota.

Para o vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários do Rio, Oswaldo Garcia, o maior problema provocado pelos constantes ataques a coletivos está na reposição de mão de obra. Segundo ele, motoristas e cobradores estão abandonando seus empregos, por medo da violência.

Foi o caso do motorista X., que, depois de ter o ônibus incendiado no Jacarezinho, horas após traficantes derrubarem um helicóptero da PM, recusou-se a voltar à garagem da empresa.

¿ O motorista ficou tão traumatizado que pediu demissão por telefone. Depois recorreu ao sindicato, para não perder seus direitos trabalhistas. Ele estava com tanto medo que não retornou à empresa, temendo ser obrigado a dirigir na mesma linha ¿ disse o sindicalista.

Apesar de afirmar que os rodoviários estão abandonando sistematicamente seus empregos por medo da ação dos bandidos, Oswaldo Garcia admite não ter números sobre a evasão desses profissionais.

As estatísticas da Fetranspor revelam que, entre os 809 coletivos destruídos desde o ano 2000, 424 foram depredados e 385, incendiados ¿ nesse caso, a perda da empresa é total. A análise dos números mostra que 2003 foi o ano em que mais se destruíram ônibus no Rio: 161. Desses, 87 foram queimados.

O ano de 2007 foi o que registrou o menor número de coletivos danificados: 24, dos quais 20 foram incendiados. No ano seguinte, foram contabilizadas 57 destruições (entre as quais, 42 depredações e 15 incêndios): um aumento de 137,5% em relação ao ano anterior.

oglobo.com.br/rio