Título: Cartórios para amigos do amigo
Autor: Otavio, Chico; Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 18/11/2009, O País, p. 3

RELAÇÕES PERIGOSAS

Wider nomeou advogados que trabalham para lobista

Ocorregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Roberto Wider, promoveu em março deste ano, mês seguinte à sua posse, dois advogados do escritório L. Montenegro Associados para o cargo de oficiais de cartórios do Rio de Janeiro e de São Gonçalo. O escritório é administrado por Eduardo Raschkovsky, lobista acusado de oferecer sentenças a políticos, empresários e tabeliães em troca de vantagens financeiras.

Dois atos executivos, publicados no Diário Oficial nos dias 26 e 30 de março (377/2009 e 368/2009), respectivamente, sacramentaram a nomeação. No primeiro, Wider designou Alexandre de Paula Ruy Barbosa como responsável pelo expediente no 11º Ofício de Notas da Comarca da Capital (Centro). No segundo, foi a vez de Carlos Roberto Fernandes Alves assumir o 6º Ofício de Justiça da Comarca de São Gonçalo.

Nomeações não tiveram concurso

Os dois advogados confirmaram que, na época da nomeação, trabalhavam para Raschkovsky - Alexandre, que já deixou o seu cartório, trabalha até hoje no L. Montenegro. Ambos foram promovidos sem passar por concurso público. Eles alegaram que, nos currículos entregues à Corregedoria, comprovaram experiência suficiente para assumir os cartórios.

Desde a primeira reportagem de uma série sobre as relações perigosas na Justiça fluminense, publicada pelo GLOBO no último dia 8, Roberto Wider tem dito que sua amizade com Eduardo Raschkovsky se restringe ao campo pessoal - principalmente pelo prazer de ambos por degustação de vinhos. Em entrevista ao jornal, o desembargador afirmou desconhecer os negócios do amigo e rechaçou as denúncias sobre tráfico de influência na Justiça fluminense.

Nos arquivos do Tribunal de Justiça, consta que Alexandre Ruy Barbosa e Carlos Roberto Alves receberam cartórios, que estavam vagos, por "notório saber jurídico". Um deles, Alexandre, é coordenador do curso de Direito da Universidade Candido Mendes, unidade de Ipanema, onde Raschkovsky cursa, no momento, o nono período.

Propina em troca de blindagem jurídica

A série de reportagens mostrou que, na política fluminense, Raschkovsky é conhecido desde 2006 por cobrar propinas em troca de blindagem jurídica para candidatos e ocupantes de cargos públicos com problemas na Justiça Eleitoral - Roberto Wider presidiu o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) de 2006 a 2008. Dez pessoas (nove políticos e um advogado) informaram que o lobista pedia valores de R$200 mil a R$10 milhões pela proteção.

Wider e Raschkovsky, além de se frequentarem, viajaram juntos para Israel e Inglaterra. Há três anos, a festa de lançamento da candidatura do desembargador a presidente do Tribunal de Justiça - ele acabaria derrotado por Murta Ribeiro - aconteceu na casa do lobista, no Itanhangá, Barra da Tijuca.

Em 2001, uma conta bancária internacional, criada por sócios de Raschkovsky para lavar dinheiro (e investigada pela Polícia Federal), foi usada para transferir US$10 mil de Vera Lúcia Teixeira dos Santos, na época mulher de Wider, para uma agência do Banco Comercial Português em Lisboa.

Começa hoje a inspeção determinada pelo corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilson Dipp, no 15º Ofício de Notas da Capital. Entre outros objetivos, a inspeção pretende apurar as razões de uma correição extraordinária, iniciada na semana passada, pelo corregedor do Rio, Roberto Wider, no 15º Ofício. Este cartório suspendeu, recentemente, o pagamento de 14% de sua renda bruta ao escritório L. Montenegro, com quem tinha um contrato.

O vice-presidente da Associação de Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro (Anoreg-RJ), Alan Borges, afirmou ontem que não é possível apontar as razões que levaram a uma correição extraordinária no 15º Ofício por parte da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio. Borges explicou que, como a ação é extraordinária, não precisa de nenhuma justificativa para ser aberta.

Esta seria, inclusive, uma prática comum devido ao grande número de atos e de cartórios a serem fiscalizados. Assim, eles seriam escolhidos aleatoriamente e a fiscalização feita por amostragem.

Sobre a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de acompanhar os trabalhos no 15º Ofício de Notas, Borges afirmou que, se o CNJ exercer um papel de observador externo, será uma garantia tanto para os cartórios quanto para os cidadãos. Ele lamentou, no entanto, as denúncias que levantam suspeitas sobre a conduta de magistrados.

- Se isso vira moda, o CNJ não vai fazer mais nada. Agora, se os magistrados que conduzem a correição são suspeitos, eu acho que isso é o fim da sociedade, é lamentável - disse Borges.