Título: Clima: governo projetou sem dados
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Fonte: O Globo, 19/11/2009, Opinião, p. 7
O Brasil proporá, na importante reunião de Copenhague sobre o clima global, uma redução de emissões de gases do aquecimento entre 36,1% e 38,9%, até 2020. O montante das emissões brasileiras para 2020 leva em consideração um expansão anual da economia brasileira de 4% a 6%. Como não existem dados confiáveis relacionando o crescimento da economia com o da geração de gases do efeito estufa, vamos supor que ambas cresçam à mesma taxa.
Consideremos a taxa média constante de 5% ao ano e o ano base de 2009.
Neste caso, as emissões nacionais crescerão 71% em relação ao presente ano.
Mas, quais são emissões de gases do efeito estufa deste ano? Ou de 2008? Ou de 2000? É inacreditável que o Ministério da Ciência e Tecnologia não faça esse inventário desde meados da década passada. É também um comportamento científico inaceitável.
Afinal, qual é o ano base para se projetar a massa de gases a ser liberada em 2020? E um crescimento médio permanente de 5% ao ano da economia nos próximos 11 anos não será mais um wishful thinking do que uma projeção confiável? Bem, e se acontecer de a economia superar esse índice em alguns anos? Ou o desmatamento, do qual o Brasil ainda é o campeão mundial, continuar irredutível? Vamos pedir revisão da projeção? O fato concreto é que o Brasil está pedindo para aumentar suas emissões em mais de 30% sobre 2009, quaisquer que sejam elas. Como não fazem inventário há um longo tempo, é válido imaginar que podemos até engordar um inventário atual...
De acordo com o World Resources Institute, se consideramos o uso da terra, o Brasil foi o quarto maior emissor de gases de CO2 em 2000, com 1,71 bilhão de toneladas, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Indonésia, mas à frente dos demais países ricos e em transição.
Sem dúvida, há progressos na proposta brasileira. Para começar, o país não tem obrigação de apresentar qualquer meta, ainda que o faça com um certo paralogismo (pois fala em reduzir a poluição, quando o objetivo real é aumentála um tanto mais). Em segundo lugar, já mostra intenções positivas em relação a questões ambientais, algo inédito no governo Lula, apesar dos esforços do ministro Carlos Minc. Talvez seja o efeito Marina Silva-candidata.
O melhor do projeto nacional são os números concretos de redução dos desmatamentos da Amazônia e do Cerrado, apesar de muito tímido para este bioma. Percebe-se que não é impossível zerar a degradação dessas áreas antes de 2020, se houver um esforço permanente e conjunto dos governos e da sociedade. O que preocupa são os índices de diminuição de GEEs (gases do efeito estufa) do setor de energia, pois a tendência de aumento é grande, devido à política de randes barragens (que inundam vegetação, notadamente na Amazônia) e, principalmente, de termoelétricas movidas a combustíveis fósseis.
Apesar das contradições, a iniciativa brasileira é uma surpresa animadora.
Mas, por que não trabalhar com números mais palpáveis, como fazem os demais países que encaminham propostas? Por exemplo, o Brasil poderia propor, para 2020, manter a mesma taxa de liberação de gases de 2007 ou 2008, ou um pouco mais alta ou um pouco mais baixa. Como os dados de desmatamento, de energia comercializada e de produção agropecuária estão disponíveis, ano a ano, não haverá dificuldades em se fazer tais inventários.
Basta vontade política.
CARLOS GABAGLIA PENNA é professor de engenharia ambiental da PUC-Rio.