Título: Cinema de resultados
Autor: Miranda, André; Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 19/11/2009, O País, p. 8

Dezoito empresas, entre elas empreiteiras que têm negócios com o governo, patrocinam o filme sobre a vida de Lula

André Miranda, Evandro Éboli e Jailton de Carvalho

BRASÍLIA e RIO. O filme ¿Lula, o filho do Brasil¿, exibido anteontem à noite na abertura do Festival de Cinema de Brasília e que será lançado no começo do ano eleitoral de 2010, foi patrocinado por um grupo de 18 empresas ¿ além de três apoiadoras ¿, entre elas três empreiteiras com negócios diretos com o governo federal. As empresas doaram ao todo R$ 10,8 milhões e, numa ação incomum no mercado, não terão o direito de descontar o patrocínio no Imposto de Renda, como permitiria a Lei Rouanet. Das 18 empresas doadoras, quatro fizeram ¿doações ocultas¿, como se diz nas campanhas políticas, ou seja: se recusaram a aparecer na lista de patrocinadores oficiais da cinebiografia da primeira fase da vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre os patrocinadores do filme estão as construtoras OAS, Odebrecht e Camargo Corrêa e as montadoras Volkswagen e Hyundai. Na lista ainda aparecem a empresa francesa de energia elétrica GDF Suez, Souza Cruz, Ambev e até o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, do Sistema S). As empreiteiras tocam grandes obras financiadas pelo governo federal. A Odebrecht faz parte do consórcio encarregado da construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio. A Camargo Corrêa participa das obras da usina de Jirau. A OAS executa obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Por acaso, é o presidente

Para a produtora do filme, Paula Barreto, da LC Barreto, não há conflito de ordem ética na decisão das empresas com negócios com o governo de financiar a cinebiografia de Lula.

Ela argumenta que os produtores ajudaram a patrocinar o filme com o interesse financeiro de reforçar as marcas e não para agradar ao governo ou fomentar um determinado projeto político.

Paula é irmã do diretor do filme, Fábio Barreto, e filha de Luiz Carlos Barreto, o dono da LC Barreto, o organizador do empreendimento.

¿ Não é um problema nosso, é delas (os negócios das empresas com o governo). Se eu fosse dona de uma dessas empresas e me apresentassem o plano que eu apresentei, eu iria fazer o filme. Se o filme vai ser visto por, no mínimo 5 milhões de pessoas, eu quero estar.

Minha marca vai estar atrelada a uma mensagem que está no meu planejamento de comunicação: é família, é superação ¿ afirma Paula.

A produtora também diz não ver excesso de generosidade das empresas que, mesmo fazendo expressivas doações, resolveram não descontar o patrocínio no Imposto de Renda com base na Lei Rouanet, como costumam fazer. Paula diz que, antes de começar a captação de recursos, se reuniu com Luiz Carlos Barreto e, juntos, decidiram que o projeto teria que ser desenvolvido sem recursos oficiais previstos nas leis de incentivo à cultura.

¿ Papai e eu falamos: não vamos ter Lei Rouanet. Já vão bater tanto no filme politicamente que isso é uma coisa que não precisamos ter. Se estão falando tudo o que estão falando sem lei de incentivo, imagina se a gente tivesse usado a lei de incentivo fiscal para contar a história de uma pessoa que, por acaso, é presidente da República ¿ disse Paula Barreto.

A produtora não explicou, porém, porque quatro dos 18 patrocinadores abriram mão do retorno publicitário de iniciativas dessa natureza. Ela também não quis dizer quais são os patrocinadores ocultos. Os quatro teriam contribuído com aproximadamente 20% do valor total arrecadado até o momento.

¿ Se eles (os patrocinadores) pediram para não aparecer, não sou eu quem vai dizer os nomes deles ¿ disse.

Segundo Paula, no início da captação, muitas empresas não queriam fazer doações porque não queriam suas marcas associadas a um projeto político específico. Os empresários só decidiram abrir os cofres depois de a produtora explicar que o filme só tratava da primeira fase da vida de Lula, de seu nascimento até o final da década de 80, quando o presidente se projetou na vida sindical. Ela sustenta ainda que o filme não terá impacto algum nas eleições e que só será lançado no início de janeiro de 2010, ano das eleições presidenciais, por uma questão comercial.

¿ Nos últimos anos, os três filmes que mais fizeram mais público no Brasil foram lançados em janeiro. Você pega período de férias. De 1ode janeiro até o carnaval você tem sete semanas de férias. É a melhor data comercial. Se é ano eleitoral, isso não é problema nosso ¿ afirmou.