Título: Novo cerco ao mercado
Autor: Beck, Martha; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 19/11/2009, Economia, p. 29

Governo taxa emissões de papéis de empresas brasileiras em Nova York com IOF de 1,5%

BRASÍLIA e RIO

O governo vai passar a cobrar uma alíquota de 1,5% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as novas emissões de Depositary Receipts (DRs) no exterior. Os DRs são recibos que equivalem a ações de empresas brasileiras negociados em Bolsas estrangeiras.

Na prática, isso só ocorre hoje na Bolsa de Nova York, com as chamadas ADRs. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a intenção da equipe econômica é corrigir uma distorção no mercado. Ele explicou que, desde que o governo passou a cobrar 2% de IOF sobre a entrada de capital estrangeiro no Brasil, algumas empresas vinham utilizando as ADRs para burlar essa tributação. Com isso, havia o risco de aumento das negociações de ações brasileiras no exterior em detrimento do mercado nacional.

¿ Quando estabelecemos o IOF de 2%, houve a preocupação da Bolsa brasileira de que estaríamos transferindo operações para a Bolsa de Nova York. Agora estamos corrigindo essa distorção ¿ afirmou Mantega.

Segundo estudo da consultoria Economática, entre os dez papéis mais procurados na Bolsa de Nova York, o aumento no volume médio negociado a partir de 20 de outubro, quando o IOF sobre a entrada de capital estrangeiro começou a valer, chega a 38%, até ontem. O montante de operações com a Vale, a mais procurada, cresceu 27% e com a Petrobras até 12%.

Um investidor estrangeiro que quer comprar ações brasileiras pode fazer isso de duas maneiras. Uma delas é trazer dólares para o Brasil para comprar as ações no mercado doméstico, pagando IOF. A outra maneira é pela compra de um ADR. Neste caso, a empresa emissora da ação faz um depósito num banco custodiante no Brasil, que então dá a ordem para emitir um ADR no exterior. Esta operação até então era isenta. A partir de hoje, ao fazer uma nova emissão de DR, a empresa terá que recolher 1,5% de IOF pelo banco custodiante.

No entanto, o governo não conseguirá, com a medida, fechar outra brecha para que os investidores estrangeiros continuem comprando ações brasileiras sem pagar IOF ¿ o que pode gerar uma bolha de investimentos.

Isso ocorre porque, depois de receber o ADR, o investidor pode pedir para cancelar a operação.

Como ela é lastreada em ações no Brasil, ele entrega os recibos e pega a quantidade de ações equivalente no mercado nacional. Esta movimentação, para o estrangeiro, é toda contábil ¿ portanto, livre de imposto. E o investidor pode negociar livremente os papéis trocados no mercado.

Medida terá pouco efeito no câmbio

Os cancelamentos de operações de ADRs, após o início da cobrança do IOF sobre recursos estrangeiros no mercado de capitais, cresceram 115%, segundo a BM&F Bovespa. Entre 1oe 19 de outubro, somaram R$ 1,33 bilhão ¿ contando todos os programas de ADRs ¿ e, entre os dias 20 de outubro até o dia 6 (último dado disponível), haviam saltado para R$ 2,850 bilhões.

Para o ex-diretor da Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) e atual economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, a medida do governo terá pouca eficácia no mercado de câmbio. Isso porque, avaliou, a incidência do IOF sobre os DRs ¿ e outros recibos semelhantes ¿ valerá só para os novos papéis. Ou seja, os investidores que já possuem esses títulos poderão continuar fazendo as operações de cancelamento dos papéis para ficar com ações de empresas brasileiras no mercado local.

Por outro lado, Schwartsman concorda que a nova medida do governo ajudará a evitar uma migração em massa de ações de empresas nacionais negociadas na BM&F Bovespa para outras bolsas, como a de Nova York.

Demosthenes Madureira de Pinho, que também foi diretor de Assuntos Internacionais do BC, avalia que a cobrança do IOF sobre ADRs deverá ter efeito apenas a curto prazo: ¿ Para ser correto, quando estávamos no governo fizemos coisas parecidas. Tínhamos IOF em renda fixa porque os juros eram muito elevados.

Eu entendo a lógica de se tentar impedir que o fluxo leve a apreciação cambial muito significativa, mas não sei se a gente consegue evitar isso.

Apesar do novo imposto, as avaliações são de que o apetite dos investidores estrangeiros continuará grande pelos ativos brasileiros, justamente pelas projeções de crescimento econômico daqui para frente.

Mantega também afirmou ontem que o governo não trabalha com meta para o câmbio no país. Mantega disse que apenas citou anteontem que o banco Goldman Sachs fez um estudo apontando que o câmbio de equilíbrio do país seria R$ 2,60.

¿ Eu deixei claro que nós não trabalhamos, não subscrevemos qualquer meta de câmbio. Eu apenas disse que se aquele fosse o câmbio de equilíbrio, o Brasil seria muito mais competitivo em relação a outros concorrentes.

Mas não há meta para o câmbio brasileiro, o câmbio é flutuante.