Título: Lula ataca palanques duplos
Autor: Gois, Chico de; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 23/11/2009, O País, p. 3

Não tenho mais ilusão", diz presidente ao admitir que Dilma terá problema nos estados

Ao votar ontem nas eleições do PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que enfrenta dificuldades em convencer petistas a priorizarem o projeto nacional e que, provavelmente, haverá mais de um palanque da base aliada em alguns estados. Essa situação, na opinião de Lula, poderá causar problemas na campanha da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata petista à Presidência.

- É sempre difícil quando uma candidata à Presidência ou um candidato vai num estado fazer comício em dois palanques diferentes. É sempre muito complicado, parece fácil colocar no papel, muito simples teorizar, mas, na prática, você não tem como fazer dois discursos pedindo votos para dois candidatos diferentes - afirmou Lula, que, no entanto, disse que já houve experiências bem-sucedidas. - No estado de Pernambuco, quando Eduardo Campos e Humberto Campos foram candidatos, eu tive uma experiência inusitada. Nós fazíamos comício com os dois candidatos a governador no mesmo palanque. Não aconteceu nenhum incidente. Com o compromisso explícito entre os dois candidatos de que quem não fosse para o segundo turno apoiaria o outro, o resultado foi um sucesso extraordinário.

Para evitar situações como as temidas por Lula, o comando nacional do PT já pensa em aprovar no Congresso Nacional do partido, em fevereiro do ano que vem, uma resolução que subordine as alianças regionais à aliança nacional, como O GLOBO informou ontem. Lula admitiu ontem que dificilmente os aliados entrarão em acordo nos estados.

- Não tenho mais ilusão quando se trata das disputas locais. Por mais que a gente oriente as pessoas que o que deve prevalecer é o projeto nacional, normalmente o que tem acontecido é que cada um olha para seu umbigo e prevalecem as questões dos estados.

Dilma sai em defesa dos mensaleiros

O presidente afirmou que o PT está mais preparado para exercer o poder e que aprendeu com os erros cometidos no passado - mas evitou tocar no assunto mensalão. Já Dilma afirmou que os mensaleiros, que devem voltar a ocupar cargos no diretório nacional do PT, têm direito de participar das atividades da legenda porque não foram julgados.

Dilma defendeu a participação dos mensaleiros na formação do novo diretório - um deles é o deputado cassado José Dirceu, além do deputado federal João Paulo Cunha (SP), por exemplo.

- Eu acho que o PT está procedendo de forma correta. Não se pode adotar uma prática que ocorreu muito no Brasil nos últimos anos e que é o contrário da conquista democrática do Ocidente. (Nesta) havia que provar que uma pessoa era culpada, e não a pessoa provar que ela é inocente - afirmou.

A ministra chegou até a citar a Revolução Francesa, na defesa dos mensaleiros:

- Até agora não temos nenhuma dessas pessoas julgadas e condenadas em definitivo. Acho absolutamente normal que elas exerçam seus direitos políticos. Ninguém pode ser cassado a priori, né? A gente, de uma certa forma, deu um passo grande no Brasil quando se compara com outros países do mundo. Dizemos que somos uma das maiores democracias do mundo. Entre esses valores democráticos está o direito conquistado desde a Revolução Francesa em que ninguém podia ser preliminarmente dado como culpado sem antes ter um processo que provasse sua culpa -- completou Dilma.

Ao comentar a possibilidade de mais de um palanque da base nas eleições estaduais, a ministra procurou ser mais diplomática do que o presidente, para não irritar os futuros candidatos petistas nos estados.

- Eu sempre acho que a gente não pode ser fundamentalista. Eu acho que é mais ou menos o seguinte: tem a ótica nacional, que se sobrepõe necessariamente, mas há que se levar em conta as realidades locais, porque os interesses locais são legítimos. Se eles vão prevalecer ou não, eu espero que essa seja uma decisão não da instância nacional ou da instância estadual, mas a decisão de um congresso (do partido) que está acima das duas instâncias.

O processo de eleição direta do PT, o chamado PED, transcorreu durante todo o domingo. A expectativa era que cerca de 400 mil dos 1,35 milhão de filiados votassem para a escolha do novo presidente nacional do partido, 81 cadeiras do diretório nacional e 21 da executiva nacional, além das presidências dos diretórios estaduais e municipais. A presidência nacional é disputada por seis candidatos. O comando do partido aposta na vitória, ainda em primeiro turno, de José Eduardo Dutra, da corrente Construindo Novo Brasil. A expectativa é que o resultado seja conhecido até amanhã. Caso um candidato não obtenha mais de 50% dos votos, um segundo turno está previsto para o próximo dia 6 de dezembro.