Título: Cartório rompe contrato com lobista e sofre devassa do TJ
Autor: Otavio, Chico; Bruno, Cássio
Fonte: O Globo, 15/11/2009, O País, p. 3

Eduardo Raschkovsky cobrava cerca de R$ 280 mil por mês

O 15º Ofício de Notas da Capital, com sedes no Centro e na Barra da Tijuca, sofre correição extraordinária desde terça-feira passada, dois dias depois da publicação de reportagem no GLOBO sobre as relações suspeitas entre o lobista Eduardo Raschkovsky e o corregedorgeral do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Roberto Wider. Este mesmo cartório tem contrato assinado com o escritório L. Montenegro Associados, administrado por Raschkovsky, que o obriga a repassar todo mês 14% de sua receita bruta ao lobista.

Mas, recentemente, o pagamento foi suspenso pelo cartório, sob a alegação de desinteresse na manutenção do serviço.

Na sede do cartório na Barra da Tijuca (Shopping Downtown), um edital fixado na porta informa que o juiz Eduardo Perez Oberg (da Corregedoria) iniciou, naquela data, os trabalho correicionais (verificação de abusos e irregularidades de titulares de cartórios). E pede que notícias de irregularidades ou sugestões sejam encaminhadas, em duas vias, à sede da Corregedoria. Além do juiz, a investigação mobiliza dez funcionários do órgão. Um dos 60 funcionários do 15º Ofício disse que a equipe estava ¿virando o cartório de cabeça para baixo, checando todos os documentos¿.

Normalmente, uma correição extraordinária ocorre quando há um fato grave envolvendo determinado cartório.

Desta vez, contudo, não houve motivação objetiva. Em nota, a assessoria de imprensa da Corregedoria informou que a inspeção dos serviços judiciais do 15º Ofício de Notas será permanente. O órgão alega que a iniciativa faz parte das funções de ¿rotina da Corregedoria¿ ou ¿são causadas por denúncia de irregularidades¿.

Desde fevereiro deste ano, mês da posse de Roberto Wider, a assessoria da Corregedoria de Justiça informou já ter realizado 197 inspeções e correições em cartórios judiciais e extrajudiciais. O 15º Ofício, alvo mais recente deste trabalho, tem um contrato com o escritório de Eduardo Raschkovsky que o obriga a pagar 120 prestações mensais e consecutivas do equivalente a 14% sobre o faturamento bruto do cartório e ¿qualquer outro que venha assumir futuramente¿.

Assinado por Mônica Montenegro Raschkovsky (mulher de Eduardo), o contrato, no parágrafo único da cláusula III (que fixa o percentual de pagamento), estabelece que, ¿findo o prazo estipulado no caput desta cláusula, o presente contrato passará a vigorar por prazo indeterminado¿.

Como o faturamento bruto mensal gira em torno de R$ 2 milhões (um ofício de notas produz escrituras, procurações, autenticações, reconhecimentos de firmas e testamentos), o lucro do escritório era de R$ 280 mil mensais até a suspensão.

O corte no pagamento teria irritado Eduardo Raschkovsky.

Escritório não atuou pelo 15º na Justiça Embora L. Montenegro seja um escritório de advocacia, na ferramenta de buscas processuais do site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não foram encontrados processos em que o 15oOfício é representado pelo escritório.

A reportagem de domingo passado mostrou que Raschkovsky, amigo de Wider, ofereceu, em troca de vantagens financeiras, blindagem jurídica a candidatos que disputaram as eleições de 2008, época em que o desembargador presidiu o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ). Entre outras atividades sociais, Raschkovsky abriu os salões de sua casa, na Barra, para uma festa em homenagem a Wider.

Wider admitiu a amizade, mas disse que desconhece os negócios de Raschkovsky. Para ele, as denún cias, que considera inconsistentes, fazem parte de uma campanha para prejudicar a sua candidatura a presidente do Tribunal de Justiça.

Cinco políticos e um advogado disseram que, entre 2006 e 2008, foram procurados por Raschkovsky. Para provar que influenciava nas decisões judiciais, ele antecipava atitudes que determinados desembargadores tomariam, no âmbito da Justiça Eleitoral.

Esta semana, após a publicação da reportagem, outros três políticos (dois deputados e um prefeito) procuraram O GLOBO para contar a mesma história.

A reportagem levou o corregedorgeral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilson Dipp, a abrir procedimento administrativo para investigar o assunto ¿ outro procedimento foi instaurado, dois dias depois, para investigar uma festa oferecida pela Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), entidade comandada por bicheiros, em agosto deste ano, aos presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais.

Na Assembleia Legislativa, três deputados estaduais ¿ Paulo Ramos (PDT), Marcelo Freixo (PSOL) e Alcebiades Sabino (PSC) ¿ conseguiram reunir 34 assinaturas para a instalação de CPI destinada a investigar o caso. O requerimento foi publicado no Diário Oficial.

Wider mandou fechar sucursais

Desde o início deste ano, Wider comanda a corregedoria, que tem entre suas atribuições a fiscalização dos cartórios judiciais e extrajudiciais do Estado do Rio. Responsável pelo lançamento da campanha contra os candidatos de ficha suja, ele resolveu agir com o mesmo rigor contra os cartórios.

Em maio deste ano, baixou o provimento 38/2009, determinando o fechamento das sucursais de cartório extrajudiciais, criadas após a lei 8.935, que regulamenta a atividade.

Na época, alegou que cumpria dispositivo constitucional e que a intenção das sucursais era mais rentável do que útil à comunidade.

O objetivo do provimento, segundo ele, era ¿evitar uma concorrência predatória entre os próprios cartórios¿.

A decisão causou revolta entre os donos de cartórios, que a consideraram arbitrária. De seis processos movidos por eles contra a determinação, quatro obtiveram liminares e outros dois não conseguiram, mas nenhuma das 12 sucursais existentes no Rio fecharam as portas. Os proprietários (entre eles o do 15º Ofício) alegam, entre outras coisas, que a lei 8.935 estabelece a proibição de novas sucursais, mas não a extinção das unidades existentes.

Os advogados argumentaram que a decisão de Wider não tem bases legais e que os clientes não tiverem direito à defesa.