Título: Em Itaipu, 11 homens e o destino da energia
Autor: Carvalho, Ana Paula de
Fonte: O Globo, 15/11/2009, Economia, p. 36

Profissionais da sala de controle da hidrelétrica, chamada de "aquário", são responsáveis por iluminar 20% do país

FOZ DO IGUAÇU. Estar na sala de controle central da Hidrelétrica de Itaipu, com a responsabilidade de iluminar 20% do país, é missão para apenas 11 homens que trabalham 365 dias e noites, independentemente de feriado, fim de semana, festividades de fim de ano ou carnaval. Essa responsabilidade de quem trabalha no ¿aquário¿, como a sala é chamada pelos funcionários, é comparada à pressão dos controladores de voo, já que também lidam com vidas que dependem da energia gerada a partir da usina ¿ como ficou demonstrado no episódio do apagão da terça-feira, quando bebês tiveram de ser transferidos para um hospital que dispusesse de gerador, no interior de São Paulo.

Na madrugada de sexta-feira, três dias depois do blecaute que deixou 18 estados brasileiros sem energia, um dos operadores contou ao GLOBO como é trabalhar na maior usina do país.

¿ O trabalho no sistema de controle é como o dos que atuam na parte aérea, com pressão, cuidado e o tempo todo atento. Precisamos ter supervisão total para fornecer carga para os dois países (Brasil e Paraguai) e também estar preparados para contingências como as de terça-feira ¿ descreve o operador, que preferiu não se identificar.

Três semanas antes do apagão houve simulação Antes de um profissional ser escolhido para a função, a empresa realiza diversos testes físicos e psicológicos com o candidato, que precisa atender a uma série de pré-requisitos.

Um deles é o preparo psicológico para lidar com a tarefa de guiar um modelo complexo como o do sistema elétrico, onde o operador precisa tomar decisões em um intervalo de até dois minutos em situações críticas.

¿ Já houve casos de o operador pedir para mudar para uma área mais light ¿ conta outro funcionário da usina.

Por ironia do destino, três semanas antes do blecaute os operadores passaram por um treinamento simulado, que acabou se transformando em realidade na semana passada. Itaipu está em fase de aquisição de um simulador de operações semelhante ao dos treinamentos de pilotos. Vai servir para verificar se o operador está bem treinado ou se possui deficiências no trabalho.

O salário é de R$ 3,4 mil para os que têm mais de 15 anos de casa, enquanto para os novatos a remuneração não passa de R$ 1,4 mil. Em sua maioria, são profissionais de nível técnico de cursos como mecânica, eletrônica e eletrotécnica.

A responsabilidade e a pressão psicológica ficaram gravadas na memória do presidente do Sindicato dos Eletricitários de Foz do Iguaçu (Sinefi), Assis Paulo Sepp, que atuou até 1992 como operador na usina. Ele aponta que o estresse é grande.

O despachante, cargo acima do operador, tem ainda mais responsabilidade. Essa denominação é dada aos profissionais que têm a missão de se comunicar com Furnas e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sobre o andamento do turno.

Sepp conta que os painéis de controle são divididos por classes com cores e revela que levava sustos quando ocorriam intempéries.

¿ Dá um susto quando tem problema. Faz um barulho enorme e acendem luzes. Nesses momentos de muita tensão, o despacho só atende a Furnas, esperando o sinal de soltar a carga. Como ocorreu na terça-feira, os operadores precisam primeiramente analisar os alarmes e sincronizar todas as máquinas para que estejam prontas quando vier o sinal de Furnas ¿ conta

Máquinas devem estar na mesma frequência para voltar Para essa sincronização, é preciso fazer a inspeção de cada máquina, para que todas estejam na mesma frequência e tensão para entrar em operação.

De acordo com um dos executivos de Itaipu, na noite do apagão os operadores presenciaram o desligamento automático das máquinas devido à falha externa ao sistema. A partir da leitura do sistema de supervisão e controle, que faz medições detalhadas dentro e fora de Itaipu, os técnicos costumam ter pouco mais de dois minutos entre o disparo dos alarmes e a tomada de decisão para as primeiras providências.

No caso de terça-feira, a equipe preparou todas as máquinas, uma a uma, para que estivessem prontas para voltar a atender ao ONS, que podia dar a ordem a qualquer momento. Mas isso só aconteceu quatro horas depois do início do blecaute.

¿ A tensão é muito grande: tem de deixar tudo preparado para conectar o gerador à linha de transmissão. É preciso conviver com o fato de que qualquer falha pode prejudicar o sistema elétrico e o país ¿ narrou o presidente do Sinefi.

Além do ritmo estressante, os turnos de seis horas deixam os operadores sem muito tempo livre.

¿ São quatro dias de trabalho e um dia de folga. Não tem feriado, aniversário ou carnaval ¿ lamenta Sepp.

O operador entrevistado na madrugada de sexta-feira concorda.

E vai além: ¿ A parte ruim de trabalhar em turno é o organismo, que se ressente. E, como os turnos mudam, não se consegue ter um planejamento de vida.