Título: A blogueira e o presidente
Autor:
Fonte: O Globo, 20/11/2009, O Mundo, p. 30

Símbolo da luta por liberdade de expressão em Cuba, Yoani Sánchez entrevista Obama A balsa virtual com a qual a blogueira cubana Yoani Sánchez se lançou a navegar pela internet já levou sua voz ao mundo inteiro e, desta vez, a escala foi em Washington. Após meses de tentativas, ela conseguiu fazer chegar um questionário com sete perguntas ao presidente americano, Barack Obama, numa espécie de ¿diplomacia popular¿, que ¿não necessita de memorandos ou declaração de intenções e se faz diretamente entre os povos¿, como definiu em seu blog, o Generación Y.

¿ Eu enviei as perguntas em maio. Percorri vários caminhos até que chegassem às mãos de Obama: acionei amigos, jornalistas, acadêmicos... Finalmente, um desses caminhos funcionou ¿ disse a blogueira, por telefone, ao GLOBO. ¿ Fiquei bastante satisfeita com as respostas.

São palavras moderadas, afáveis, que marcam uma mudança de discurso importante, um compromisso com a população cubana. É incrível que uma pessoa com uma agenda apertada como a dele tenha decidido gastar o seu tempo com uma simples cubana como eu.

Apesar da modéstia, já faz tempo que Yoani deixou de ser mais uma na multidão. Mesmo proibida de deixar a ilha onde nasceu, a blogueira de 34 anos faz com que suas impressões e seus questionamentos sobre a realidade cubana ecoem longe.

¿O seu blog oferece ao mundo uma janela das realidades da vida cotidiana em Cuba. É revelador que a internet tenha oferecido a você e a outros corajosos blogueiros cubanos um meio tão livre de expressão¿, elogiou Obama antes de responder às perguntas feitas por ela.

Ironicamente, o alcance das suas palavras é limitado dentro do próprio país. Questionário semelhante enviado ao presidente Raúl Castro ainda aguarda resposta.

¿ Todo dia tenho esperança de que ele me responda ¿ revelou Yoani. ¿ Nós, cubanos, somos reféns de um entrevero entre dois países que já dura 50 anos. As perguntas feitas a Barack Obama e a Raúl Castro são questionamentos que me faço há muitos anos. E essas perguntas não são só minhas. São perguntas que passam pela cabeça de muitos cubanos (Ângela Góes).

YOANI SÁNCHEZ: Durante muito tempo Cuba esteve presente tanto na política exterior dos EUA como nas preocupações domésticas, especialmente pela existência da comunidade cubano-americana. No seu ponto de vista, em qual categoria assuntos de Cuba devem ser abordados? BARACK OBAMA: Todos os assuntos da política exterior têm componentes internos, especialmente aqueles de países vizinhos como Cuba, de onde procedem muitos imigrantes e com o qual temos uma longa história de vínculos.

Nosso compromisso de proteger e apoiar a livre expressão, os direitos humanos e um Estado de Direito democrático também supera as demarcações entre o que é política interna e externa. Além disso, muitos dos desafios que compartilhamos, como imigração, narcotráfico e economia, são assuntos tanto internos quanto externos.

As relações entre Cuba e os EUA devem ser analisadas num contexto interno e externo.

YOANI: Se o seu governo colocasse um ponto final nessa disputa, ele reconheceria o governo de Raúl Castro como o único interlocutor? OBAMA: O meu governo está pronto para estabelecer laços com o cubano numa série de áreas de interesse mútuo, como fizemos sobre imigração e nas remessas de dinheiro. Também me proponho a facilitar o maior contato entre o povo cubano, especialmente entre famílias que estão separadas.

Queremos estabelecer vínculos também com cubanos que estão fora do âmbito governamental. Está claro que a palavra do governo não é a única que conta em Cuba. Aproveitamos todas as oportunidades para interagir com toda a sociedade cubana.

YOANI: O governo dos EUA renunciaram ao uso de força militar como forma de pôr fim ao conflito? OBAMA: Os EUA não têm intenção alguma de utilizar força militar em Cuba.

O que os EUA apoiam é um maior respeito aos direitos humanos e às liberdades política e econômica. Os EUA se unem às esperanças de que o governo responda às aspirações de seu povo de desfrutar da democracia e de poder determinar o futuro de Cuba livremente.

Somente os cubanos são capazes de promover uma mudança positiva em Cuba, e esperamos que logo possam exercer as capacidades de maneira plena.

YOANI: Raúl disse estar disposto a dialogar sobre todos os temas com o respeito mútuo e a igualdade como únicas condições. Quais seriam as condições prévias que seu governo imporia para iniciar um diálogo? OBAMA: Por anos eu disse que é hora de aplicar uma diplomacia direta e sem condições, seja com amigos ou inimigos. Contudo, falar por falar não me interessa. O uso da diplomacia deveria resultar em maiores oportunidades para promover nossos interesses e as liberdades dos cubanos. Já iniciamos um diálogo, partindo de interesses comuns, imigração que seja segura, ordenada e legal, e a restauração do correio. São pequenos passos, mas parte importante de um processo para colocar as relações entre EUA e Cuba numa nova e mais positiva direção.

YOANI: Que participação poderiam ter os cubanos no exílio, os grupos de oposição interna e a sociedade civil cubana nesse diálogo? OBAMA: Ao considerar qualquer decisão sobre política pública, é imprescindível escutar quantas vozes diferentes for possível. O governo dos EUA conversa regularmente com grupos e indivíduos dentro e fora de Cuba, que acompanham com interesse o curso de nossas relações. Muitos não estão de acordo com o governo cubano, muitos não estão de acordo com o governo americano e muitos outros não estão de acordo entre si. O que devemos todos estar de acordo é que temos que ouvir as inquietações e interesses dos cubanos. Por isso, tudo o que vocês estão fazendo para projetar suas vozes é tão importante, não somente para a liberdade de expressão, como também para que as pessoas de fora de Cuba possam entender melhor a vida, as vicissitudes e as aspirações dos cubanos que estão na ilha.

YOANI: O senhor aposta no desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação e informação. Contudo, nós, cubanos, continuamos com muitas limitações para acessar a internet.

Quanta responsabilidade tem nisso o bloqueio americano e quanta tem o governo cubano? OBAMA: O meu governo deu passos importantes para promover a corrente livre de informação proveniente de e dirigida ao povo cubano, particularmente por novas tecnologias.

Possibilitamos a expansão dos laços das telecomunicações para acelerar o intercâmbio entre o povo de Cuba e o mundo exterior. Tudo isso aumentará a quantidade de meios através dos quais os cubanos poderão comunicar-se entre si e com pessoas de fora, valendo-se de maiores oportunidades em transmissões de satélite e de fibra ótica. Isso não acontecerá de um dia para o outro, nem tampouco poderá ter plenos resultados sem ações positivas do governo cubano. O governo cubano anunciou planos para oferecer maior acesso à internet nos postos de correio.

Acompanho estes acontecimentos com interesse e exorto o governo a permitir acesso à informação e à internet sem restrições.

YOANI: Estaria disposto a visitar nosso país? OBAMA: Nunca descartaria uma ação que tenha como objetivo avançar nos interesses dos EUA ou promover as liberdades do povo cubano. Ao mesmo tempo, as ferramentas diplomáticas devem ser usadas somente após cuidadosa preparação e como parte de uma estratégia calma. Eu adoraria visitar uma Cuba onde todas as pessoas possam desfrutar dos mesmos direitos e oportunidades de que goza o resto do povo do continente