Título: Encontro de amigos
Autor: Gois, Chico de; Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 24/11/2009, O Mundo, p. 27

Ao receber Ahmadinejad, Lula defende direito do Irã a programa nuclear pacífico

BRASÍLIA

Na primeira visita de um presidente iraniano ao Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o direito daquele país de desenvolver seu programa nuclear para fins pacíficos, a exemplo do que faz o Brasil. Lula aproveitou o encontro com o presidente Mahmoud Ahmadinejad para enfatizar a importância do desarmamento nuclear e da não-proliferação de armas.

O presidente brasileiro disse também que o Brasil está interessado em ajudar na busca da paz no Oriente Médio. Ele pediu ao Irã que contribua para a unidade dos palestinos, atendendo a um pedido do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Na semana passada, Abbas solicitou a intervenção de Lula para tentar fazer com que o Irã pare de ajudar o grupo extremista palestino Hamas.

¿ Não-proliferação e desarmamento nuclear devem andar juntos. O Brasil sonha com um Oriente Médio livre de armas nucleares como ocorre com nossa América Latina ¿ discursou Lula. ¿ A experiência brasileira de abrigar grandes comunidades árabe e judaica em convivência harmoniosa desmente o mito de que o Oriente Médio está condenado aos conflitos e sofrimentos que tem vivido por décadas.

Depois, em entrevista, Lula reafirmou sua defesa do direito iraniano a um programa nuclear pacífico.

¿ Aquilo que o Brasil defende para nós, nós defendemos para os outros ¿ disse Lula, que estimulou o Irã a trabalhar com a comunidade internacional na busca de uma solução para a questão nuclear.

O encontro dos dois presidentes durou cerca de três horas. Eles assinaram oito acordos de cooperação em áreas como agricultura, indústria e ciência e tecnologia. O comércio entre as duas nações é inferior a US$ 2 bilhões.

Iraniano apoia Brasil no Conselho de Segurança

Ahmadinejad foi econômico ao falar de paz, mas pródigo ao criticar, sem citar nomes, as potências mundiais, a quem acusa de fazer propaganda enganosa contra o programa nuclear iraniano. Ele fez também uma declaração com sabor especial aos ouvidos da diplomacia brasileira: o Irã, afirmou, apoia as aspiração do Brasil de ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU.

¿ Após 60 anos, o conselho fracassou em estabelecer a segurança internacional. Ele é monopolizado por um número limitado de países que contribuíram para os conflitos mundiais. Temos que acabar com o poder de veto. Apoiamos a candidatura de novos membros e o Brasil como membro permanente ¿ disse Ahmadinejad.

Chamando Lula várias vezes de amigo e elogiando o povo ¿amistoso, afável e tão amável como é o brasileiro¿, o presidente iraniano disse que o sistema capitalista enfrenta um impasse e não é capaz de atender às necessidades dos países de maneira justa. Ahmadinejad em nenhum momento citou textualmente os Estados Unidos ou Israel. Ele disse que o comércio entre Irã e Brasil tem como meta chegar a US$ 10 bilhões por ano, mas não falou em prazo.

Falhas no sistema de tradução deixaram Lula visivelmente irritado. A tradução para o português era feita com base na tradução do persa para o inglês, o que causou demora em dois momentos.

Criticado por partidos de oposição e pela comunidade judaica por receber Ahmadinejad, Lula mandou recados ao iraniano, defendendo a existência de Israel, assim como a de um Estado palestino ainda a ser criado.

¿ A política externa brasileira é balizada pelo compromisso com a democracia e o respeito à diversidade. Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha de nossos cidadãos e cidadãs com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou de recursos ao terrorismo.

Ahmadinejad disse que não é contrário à proposta de que o urânio usado em reatores do Irã seja enriquecido em outros países, como a Rússia.

Segundo ele, essa proposta foi feita originalmente pelo próprio governo iraniano e teria recebido o aval dos EUA, Rússia e da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Para Ahmadinejad, porém, o Ocidente usa a questão nuclear para subjugar o Irã, fazendo exigências adicionais para assegurar que o material radioativo será usado para fins pacíficos. Tais exigências, segundo o presidente iraniano, são inaceitáveis.

Para Ahmadinejad, o que tem impedido a concretização de acordo na área nuclear é que, segundo ele, os países desenvolvidos estariam colocando obstáculos. Do Brasil, ele segue para Bolívia e Venezuela.