Título: Risco para Lula, chance para Ahmadinejad
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 24/11/2009, O Mundo, p. 28

Para mídia e analistas internacionais, visita pode afetar influência do presidente e ajudar iraniano a legitimar governo

Correspondente

WASHINGTON. A decisão do Brasil de apoiar as pretensões nucleares do Irã ¿ aliada às críticas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito aos Estados Unidos, à maneira como o país vem lidando com a questão hondurenha e até à postura pouco crítica a abusos do governo de Hugo Chávez nos terrenos da liberdade de imprensa e direitos humanos ¿ pode prejudicar a relação entre o Brasil e os EUA e atrapalhar as pretensões da política externa brasileira de consolidar o país como grande líder global e regional.

A opinião é de analistas das relações entre os EUA e o Brasil, que vem sendo acusado de perder o equilíbrio e a sensatez na sua ânsia de ¿agradar a todos os países¿. Segundo a mídia internacional, a visita pode atrapalhar a influência internacional de Lula ao mesmo tempo em que oferece a Ahmadinejad a chance de legitimar seu governo, tão criticado internacionalmente por causa de seu controverso programa nuclear e ligação com grupos terroristas.

A visita também provocou protestos no Peru, onde mais de cem pessoas da comunidade judaica local se concentraram em frente à embaixada brasileira e entregaram à representação uma carta expressando ¿mal-estar¿ e ¿preocupação¿ com o encontro.

Entre os jornais, o ¿New York Times¿ afirmou que o encontro mostrava as ambições do Brasil de ganhar um papel de destaque na diplomacia internacional. O jornal ressalvou, no entanto, que a ocasião também despertou críticas entre parlamentares americanos e ex-diplomatas brasileiros, para os quais o encontro poderia legitimar o governo Ahmadinejad.

O deputado democrata americano Eliot L. Engel, que preside o subcomitê de América Latina da Câmara de Representantes, disse que o convite do Brasil ao presidente iraniano foi um ¿grave erro¿.

A professora de ciências políticas internacionais da Universidade George Washington, Cynthia McClintock, afirma que, com a declaração de Lula ontem, o Brasil ajuda a legitimar as demandas de Ahmadinejad, colocando o país numa situação ¿não exatamente positiva¿, já que Lula não pressionou o presidente iraniano em nada: do monitoramento internacional de seu projeto nuclear, a sua polêmica reeleição ou as violações de direitos humanos no país.

¿ É uma vitória iraniana importante ter Lula como aliado em sua política de enfrentamento dos EUA e da União Europeia ¿ diz ela.

O ¿L.A. Times¿ afirmou que Lula poderia perder influência internacional ao receber o iraniano, que, segundo o texto, procura novas oportunidades econômicas diante das ameaças de sanção por parte de países desenvolvidos.

Com o título ¿Lula assume riscos ao dar as boasvindas a Ahmadinejad no Brasil¿, o jornal diz que o governo americano e analistas temem que o encontro poderia sinalizar uma aprovação implícita do Brasil à resistência do Irã em desistir do programa nuclear.

Para Eric Farnsworth, ex-funcionário do governo Bill Clinton e vice-presidente do Conselho das Américas, em Washington, a visita de Ahmadinejad, assim como a defesa de Lula a Chávez, podem ter servido como um balde de água fria nos planos do presidente Barack Obama de usar o presidente brasileiro como uma espécie de procurador na América Latina: ¿ Afinal, quem quer um país tão próximo do Irã, um pária internacional, sentado no Conselho de Segurança da ONU? O jornal israelense ¿Haaretz¿ afirma que a visita oferecia uma oportunidade a Lula para impulsionar sua influência internacional e a Ahmadinejad para conseguir a ¿tão necessária legitimidade política¿ para seu governo.

Para alguns meios, aproximação não tem riscos Já a agência de notícias britânica Reuters disse, citando analistas, que ¿apesar de controversa, sua visita (de Lula) não deve criar dores de cabeça ao país, contanto que o governo seja cauteloso e o líder iraniano se abstenha de suas polêmicas declarações em solo brasileiro¿.

Na França, o site da revista ¿L¿Express¿ publicou ontem um artigo destacando que presidente iraniano, isolado internacionalmente, viajou à América Latina para buscar apoio de dirigentes de esquerda.

Houve repercussão também na Alemanha. À rádio estatal Deutsche Welle, o cientista político Thomas Fatheuer, da Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde, levantou a possibilidade de que o Brasil dê início a uma cooperação econômica e atômica com o Irã, mas ressalvou que Lula consegue uma aproximação com o Irã sem que a sua política sofra qualquer tipo de efeito negativo.

Já a revista ¿Stern¿ diz que o Brasil está se transformando em um importante ¿negociador da paz¿ no Oriente Médio, tendo recebido, em um curto período, o presidente de Israel, Shimon Peres, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e agora Ahmadinejad.