Título: Países divergem sobre afastamento de Micheletti
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 21/11/2009, O Mundo, p. 29

Celso Amorim ironiza anúncio de presidente interino de Honduras, mas EUA acreditam ser esta a chance para acordo

A decisão do presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, de se afastar da Presidência entre 25 de novembro e 2 de dezembro para não tirar o foco das eleições presidenciais que se realizam no país em 29 de novembro foi recebida com desprezo e ironias por alguns países e vista como uma nova oportunidade de conciliação nacional por outros.

Um dos comentários mais cáusticos foi feito pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, ontem.

¿ Ele (Micheletti), do ponto de vista legal, nem tinha que ter estado no governo ¿ disse Amorim, que acompanha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Salvador, adotando um tom irônico. ¿ Então ele diz agora que vai se afastar provisoriamente, para mim, soa curioso.

Nos EUA, porém, uma autoridade do Departamento de Estado disse que a saída de Micheletti ¿ que ontem iniciou ¿consultas com a sociedade¿ para tomar sua decisão ¿ pode ser uma brecha para um acordo entre o governo interino e o presidente deposto Manuel Zelaya. O mesmo foi dito por Robert Wood, portavoz do Departamento: ¿ Achamos bom que ele se afaste e que isso ocorra logo.

Isto vai dar algum espaço para que o processo (de conciliação) em Honduras caminhe.

O representante do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), o embaixador Ruy Casaes, por sua vez, não viu importância alguma na saída de Micheletti, já que ele promete voltar, e o governo interino continuará no comando do país na transição para o novo governo: ¿ O golpe continua.

Novo governo poderia não ser aceito por países americanos Zelaya abandonou as negociações para a composição de um governo de coalizão quando percebeu que Micheletti estava disposto a comandar o processo, incluindo a aprovação dos nomes que Zelaya sugerisse para o governo. O Congresso e a Suprema Corte hondurenhos adiaram a definição sobre a possível volta de Zelaya ao cargo de presidente. Agora, o Congresso promete que no dia 2 de dezembro ¿ após as eleições ¿ se reunirá para definir o novo governo, com ou sem Zelaya.

Mas a decisão dos EUA de reconhecer as eleições, mesmo sem a recondução do presidente deposto, criou um racha no continente, já que a imensa maioria dos países se recusa a aceitar as eleições sem a volta de Zelaya. A mudança na atitude americana está gerando críticas.

¿ Se isso não ocorrer, de alguma forma a comunidade internacional respaldará o golpe, e é isso que o governo americano está tendo dificuldade em entender, assumindo uma postura ambígua.

Fez pressão para restabelecer a democracia, e agora já fala em aceitar as eleições (sem Zelaya) ¿ disse o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia.

¿ Isso para nós é inaceitável.

Alguns diplomatas temem que a aceitação do processo eleitoral com a manutenção do governo interino que participou do golpe de Estado em Honduras crie um precedente para ações parecidas num continente marcado por golpes de Estado ao longo de sua história. Grupos insatisfeitos com seus governantes poderiam promover golpes e convocar eleições em seguida como forma de manter a impressão de que a normalidade democrática foi restaurada.

¿ Isso não vai acontecer em Honduras porque a pressão internacional para que Micheletti e Zelaya façam um acordo vai continuar após as eleições ¿ afirmou o diplomata americano, que pediu que seu nome fosse mantido no anonimato.

Ele recusou-se a dizer o que farão os EUA se o acordo não for fechado até a posse do novo presidente, ano que vem, ou se a votação no Congresso incluir uma opção de governo de coalizão que não agrade a Zelaya.

As duas hipóteses levariam Honduras ao problema de ter um novo governo eleito que não será reconhecido pela maioria dos países americanos.

¿ Os EUA só possuem o Panamá e mais dois ou três países aliados da região que apoiam a proposta de reconhecimento das eleições sem a volta de Zelaya ¿ diz um diplomata envolvido nas negociações.