Título: O inferno mora logo aí, numa das piores estradas do país
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 22/11/2009, O País, p. 10

Trechos de rodovias federais em Minas revelam descalabros mostrados em pesquisa

ITABIRITO. Vizinha à BR-482, a comunidade de Bandeira, entre Catas Altas da Noruega e Piranga, em Minas, vive à beira de um ¿abismo¿. Assim os moradores chamam o buraco que começou a se formar há cerca de dez anos e, no último período chuvoso, devorou a pista da rodovia. A cratera tem 15 metros de profundidade, o equivalente a um prédio de cinco andares. Engoliu árvores, amedronta os moradores e, com as chuvas recentes, ameaça o desvio de terra usado pelos motoristas, aberto graças à retirada de um pedaço de barranco na lateral. A BR está entre as piores do país, segundo a Pesquisa Rodoviária da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) divulgada este mês.

De acordo com a pesquisa, 41,8% do pavimento estão afundados, trincados, remendados ou esburacados, além de apresentar falhas de sinalização e traçado. Não há acostamento e, em 90% dos casos, as faixas estão desgastadas ou ilegíveis. O trajeto, que poderia ser feito em duas horas, leva em torno de três.

¿ Estamos contando com São Pedro. Se cair mais água, a passagem vai para o brejo ¿ diz Luiz Carlos Henrique, de 42 anos, dono de um pesque-epague em frente ao ¿abismo¿.

A viagem de Itabirito, na Grande BH, a Viçosa, na Zona da Mata mineira, é comparada a um rali pelos condutores.

Formado pelas BRs 040 e 356, fora a 482, o corredor de ligação entre as duas cidades tem 201 quilômetros.

No trecho de 29 quilômetros que passa por Bandeiras há outras sete erosões na pista, além do ¿abismo¿. O problema se arrasta há pelo menos três anos. O mato toma conta das pistas. O temor dos moradores é que, com as chuvas, a rodovia seja interditada e os deixe ilhados, como ocorreu nos últimos anos.

Em Piranga, município de 17,5 mil habitantes, que depende da BR para ter acesso a serviços e mercadorias da Grande BH, a situação fica dramática.

¿ Cansei de atravessar de um lado para o outro da estrada com doentes de hemodiálise e caixões nas costas.

Quando a estrada fecha, não tem jeito. É isso o que estamos para viver novamente ¿ reclama Rone Paiva Fernandes, de 35 anos, dono da funerária.

O trecho da BR482 passou os últimos anos sem contrato de conservação.

Só este mês, uma empreiteira licitada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) assumiu os serviços.

Mas a recuperação dos pontos danificados depende de outra contratação, que não foi feita. Como paliativo, foi colocad a u m a l o n a n o maior deles. Placas sinalizando defeitos na pista foram instaladas depois que liminar obtida pela prefeitura de Piranga na Justiça Federal determinou as providências.

¿ Pedimos ajuda ao Dnit, ao vice-presidente (José Alencar), a senadores, deputados e Ministério Público, mas não houve solução.

Então o jeito foi entrar com o processo ¿ diz o prefeito Eduardo Guimarães (PSDB), mostrando dossiê com ofícios enviados às autoridades.

Outros 94 quilômetros da BR482 foram delegados pela União à Secretaria de Estado de Transportes de Minas. Em boa parte da extensão, as faixas do asfalto estão apagadas e são raras as placas de trânsito, mesmo em pontos perigosos, como curvas.

Na BR-040, os problemas são semelhantes e têm consequências mais graves por causa da intensidade e das características do tráfego. Entre Itabirito e Conselheiro Lafaiete ¿ início da viagem a Viçosa, para quem parte da Grande BH ¿ passam diariamente 18 mil veículos, dos quais 40% são caminhões. Em 2007, o segmento de 65 quilômetros foi palco de mil acidentes, com pelo menos 40 mortos e 600 feridos, o que levou moradores do entorno a criar o Movimento pela Vida, que cobra mais segurança e a recuperação da estrada.

¿ O Dnit ficou dez meses sem contrato de manutenção na BR. O serviço foi retomado em setembro do ano passado, mas não é suficiente. A rodovia precisa de intervenções mais profundas, pois não suporta mais tanto tráfego ¿ diz o presidente do movimento, Edvaldo José Thereza, que se juntou a moradores de Lafaiete depois que um casal de amigos e os dois filhos morreram numa batida.

Dnit diz que prepara projeto

O trecho é de pista simples (sem separação entre os sentidos).

Com o boom da mineração nos últimos anos, aumentou a presença de carretas de minério.

Mais pesadas que o convencional, elas rodam sem controle do excesso de carga, pois não há balanças. Muitas trafegam sem lona, despejando pó no asfalto.

O material encobre placas, desgasta as faixas de sinalização e entope o sistema de drenagem.

¿ Quando chove, a pista alaga e aumenta o risco ¿ conta Edvaldo.

Para os patrulheiros da área, a imprudência tem causado a maioria dos acidentes. Mas não há radares de controle da velocidade.

Buracos e ondulações obrigam os motoristas a ziguezaguear e, não raro, estouram pneus. A situação é tão comum que algumas transportadoras dão bônus aos caminhoneiros que conseguem passar o mês sem avariá-los. José dos Santos Rodrigues, de 59 anos, está perdendo a briga para a BR-040.

¿ A ajuda é de R$ 200. Nos últimos dois meses fiquei sem.

Sou experiente, mas a estrada é traiçoeira ¿ lamentava, de ferramenta em mãos, enquanto tentava reparar dois pneus.

Os borracheiros fazem a festa, recebendo de oito a dez clientes por dia. Em época de chuva, o número sobe.

Fora a falta de conservação, que deixa o mato encobrir placas, os motoristas lidam com problemas estruturais. A BR foi construída nos anos 1950, em plena Era JK, sem muitas alterações de lá para cá. Pontes e elevados são estreitos e em curva.

É o caso do Viaduto Vila Rica, mais conhecido como Viaduto das Almas, em Congonhas. Desde a inauguração, já foi palco de dezenas de mortes, com ônibus despencando de uma altura de 30 metros. Parte da mureta de proteção foi destruída. No lugar, há hoje uma corda.

Outro problema é a falta de áreas de escape. Depois de tombar seu caminhão na quartafeira, Antônio Carlos Assis Santos, de 51, reclamava: ¿ Fui fechado por um carro, virei a direção para a direita e logo caí numa valeta. Se tivesse acostamento, não aconteceria.

O superintendente do Dnit em Minas, Sebastião Donizete de Souza, diz que está sendo elaborado um projeto para restaurar o trecho da BR-040. Além da recuperação do pavimento, do sistema de drenagem e da sinalização, prevê a duplicação dos segmentos mais movimentados, o que deve contribuir para diminuir a violência. Mas a obra, orçada em R$ 300 milhões, só deve sair do papel a partir do ano que vem. Por ora, não há previsão orçamentária. Até lá, o Ministério Público Federal (MPF) prepara um termo de ajustamento de conduta (TAC) para que as mineradoras participem da conservação: ¿ O mais provável é que dividam conosco o trabalho de limpeza, retirando o minério.

Sobre a BR-482, o superintendente argumenta que uma licitação foi aberta para consertar as erosões, mas admite que o período chuvoso pode prejudicar os trabalhos. A Secretaria de Transportes de Minas informou que os trechos sob sua responsabilidade serão incluídos no Pró-MG, programa de recuperação e manutenção do estado.