Título: Nos grotões do país, até boiadeiros já levaram malotes a agência bancária
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 22/11/2009, Economia, p. 31

Funcionários têm que driblar falta de estrutura e de hábitos de moradores

MANAUS. A história do pioneirismo das agências em lugares inóspitos se mistura à vida dos gerentes que se lançam nestas aventuras há anos.

Em 1986, Luis Felípedes Ilkiu, então com 22 anos, mudou-se para Juína, no Mato Grosso ¿ quase na divisa com Amazonas e Rondônia ¿, para abrir a primeira agência do Banco do Brasil (BB) na região. Não havia luz nem telefone, e água, só de vez em quando.

O avião que levava dinheiro ao banco da cidade tinha o hábito de dar dois rasantes sobre a agência para sinalizar a sua chegada, tendo em vista a dificuldade de comunicação.

Pousava no aeroporto e esperava os funcionários que iriam buscar os malotes com o dinheiro. O código deu certo até o momento em que a agência instalou um gerador próprio, e, em seguida, aparelhos de ar-condicionado. O barulho da refrigeração impediu que se ouvisse o avião.

¿ Ele pousou no aeroporto, esperou, e nada. Decolou de novo, deu outros três sobrevoos, pousou, e nada. Voou novamente, viu um caminhão de boiadeiros na estrada, pousou lá mesmo. O pessoal desceu com os malotes e pegou uma carona com o caminhão ¿ conta Ilkiu, que hoje é gerente de uma grande agência no Paraná, seu estado natal.

O rádio amador que fazia a comunicação da agência com Cuiabá, quando o sol não estava a pino, não funcionava o tempo todo. Mas trabalhou o suficiente para dar a oportunidade de estabelecer o contato inicial entre os operadores dos dois lados, que acabaram se casando.

Para chegar a locais difíceis, opção são voadeiras e balsas Em Autazes, no Amazonas, o banco Bradesco foi obrigado a distribuir cartões de crédito gratuitamente para a população, além de regularizar os CNPJs (o CPF das empresas) do comércio. Segundo o diretor-executivo do banco, Odair Rebelato, tudo isso foi feito para tentar conter o fluxo cada vez maior de dinheiro em circulação e reduzir os voos dos malotes nestes locais mais difíceis.

Mas 120 dias depois de tudo resolvido, descobriu-se que a contabilidade das empresas não estava em dia. Em vez de organizá-la, os lojistas preferiam deixar os cartões de lado, o que quase levou o plano da instituição por água abaixo.

A solução foi oferecer presentes para os usuários de cartão. Assim, eles acabariam obrigando os comerciantes a fazer transações com esta forma de pagamento.

Quem vive o desafio de abrir as primeiras agências bancárias em locais difíceis também se expõe aos riscos de sobrevoar as florestas ou navegar os rios, muitas vezes traiçoeiros, da Amazônia. Parte dos trabalhos é feita pelas chamadas voadeiras, pequenos barcos a motor usados para o deslocamento nos locais mais remotos, ou por balsas mesmo.

Algumas delas são levadas a estas localidades de avião.

Sem isso, o Exército não teria como se embrenhar pela mata apenas pelas trilhas que precisam ser feitas a pé, abrindo picadas pelo caminho.

Funcionários do banco e militares tampouco podem se esquecer das dicas para viver na floresta: complexo B e repelentes para afastar os mosquitos da malária.

¿ Tudo isso mostra a dificuldade deste nosso trabalho de tentar entrar pela Amazônia, integrar as regiões e as populações ao resto do Brasil e desenvolvê-la de forma sustentável ¿ diz o superintendente do BB em Manaus, Rui Ruas