Título: Um certo sabor de decepção
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 25/11/2009, O Mundo, p. 30

Assessor de Lula diz que Obama frustra o governo, e revela carta sobre temas controversos

Um dia após receber o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, o governo brasileiro subiu o tom com os Estados Unidos. E as críticas vieram do assessor especial para assuntos internacionais do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia. Segundo ele, há um "certo sabor de decepção" com as atitudes do governo do presidente dos EUA, Barack Obama. Ao reclamar dos EUA, Garcia acabou revelando que o presidente Obama havia enviado no último domingo uma longa carta a Lula, abordando temas polêmicos na relação recente entre os dois países: a visita do iraniano; as eleições em Honduras, negociações da Rodada de Doha e a reunião de cúpula sobre mudanças climáticas em Copenhague.

Garcia enumerou três desses temas para explicar o motivo da decepção. No caso de Honduras, os Estados Unidos decidiram apoiar as eleições que ocorrem domingo para a escolha do novo presidente, ao contrário do Brasil e de grande parte dos países da América Latina, que não reconhecem o pleito. Garcia citou ainda a aliança entre EUA e China na questão climática, inviabilizando acordo por metas na emissão de CO2 em Copenhague. O terceiro tema é a negociação para a redução de protecionismo no comércio, a chamada Rodada de Doha. Segundo Garcia, o tom adotado por Obama na carta a Lula praticamente teria decretado o fim da Rodada de Doha.

Clima favorável se dissipando

O Palácio do Planalto não divulgou o teor da carta de Obama, enviada por fax da Casa Branca, no dia 22, um dia antes de Lula receber o presidente do Irã. A correspondência tem três páginas - considerada longa, em se tratando de missiva para um presidente. Lula, segundo o Palácio do Planalto, ainda não decidiu se responderá. A correspondência não pede que o Brasil adote um posicionamento, apenas faz considerações sobre as posições do governo americano. Segundo informações do Departamento de Estado dos EUA, Obama não pediu a intermediação de Lula junto a Ahmadinejad, mas destacou a importância de os iranianos aceitarem o monitoramento internacional de seu programa nuclear, o respeito à liberdade de expressão e aos direitos humanos.

- Espero que não haja uma inflexão (no relacionamento entre Brasil e EUA). Agora, nós vemos com preocupação alguns posicionamentos dos Estados Unidos - afirmou Marco Aurélio. - Entendemos que o presidente Obama está enfrentando uma situação complexa em seu país, com uma agenda interna difícil e complexa, mas a grande verdade é a seguinte: isto está provocando uma certa frustração. Não diria que há uma inflexão. O presidente Lula continua com expectativas de que possamos ter bom relacionamento com os EUA, mas a grande verdade é que, até agora, há um certo sabor de decepção, que esperamos que seja revertido - declarou.

Ele informou que nas conversas que Lula tem mantido com os americanos tem expressado esse sentimento. Marco Aurélio disse que o Brasil não irá reconhecer o resultado das eleições de domingo em Honduras.

- A posição do Brasil é a mesma da imensa maioria dos países sul-americanos, é a mesma posição que a OEA (Organização dos Estados Americanos) adotou, que a Unasul adotou. Achamos lamentável que se queira limpar um golpe de Estado com um processo de eleição que se realiza num país que viveu, virtualmente, num estado de sítio nos últimos meses - disse o assessor.- Achamos que isso não é bom do ponto de vista do diálogo dos Estados Unidos com a América Latina. Todo aquele clima favorável que se criou com a eleição do presidente Obama, que se fortaleceu com a reunião de Trinidad e Tobago, começa a se desfazer um pouco. Por que reconhecer um governo golpista, que abusou de instrumentos extremamente ilegais, violentos e rompeu o equilíbrio que havia naquele país?

Para o assessor de Lula, os Estados Unidos não têm dado a atenção devida à América Latina.

- O ministro Amorim (o chanceler Celso Amorim) disse outro dia que se houver um desencontro muito grande, os Estados Unidos num determinado momento, quando começarem a olhar para a América Latina, vão chegar à conclusão que estão olhando tarde demais.

COLABOROU Gilberto Scofield Jr., de Washington