Título: Blecaute no high society
Autor: Borges, Waleska; Lima, Flávia
Fonte: O Globo, 25/11/2009, Rio, p. 16

Cabeleireiro improvisa e trabalha na calçada; shopping paga táxi para clientes que tiveram carros retidos no prédio

UM GUARDA conta apenas com uma lanterna para controlar o trânsito, por volta das 4h, na Rua Prudente de Moraes, em Ipanema, um dos bairros afetados pelo apagão

NA PORTA do Shopping Rio Design, no Leblon, funcionários e clientes esperam sentados no chão a volta da luz

FUNCIONÁRIO DO Supermercado Zona Sul confere produtos estragados. Acima, operários trabalham na Rua Carlos Góis

EM PLENA LUZ do dia, funcionários de uma casa de ferragens trabalham às escuras

Laura Antunes e Selma Schmidt

Desta vez, o apagão foi particular, nada democrático, aliás: Ipanema, Leblon e Lagoa, três dos cinco bairros de maior índice de Desenvolvimento Humano e de renda per capita do Rio, voltaram a ficar às escuras. A região, que concentra também os endereços residenciais, lojas, hotéis e restaurantes mais caros da cidade, contabiliza os prejuízos que sofreu a um mês do Natal. O comércio fechou as portas, inclusive no badalado Quadrilátero do Charme, onde estão lojas como H.Stern, Louis Vuitton, Antonio Bernardo, Mont Blanc, Alessa e Elle et Lui Home. Os moradores dos prédios das avenidas Delfim Moreira e Vieira Souto tiveram que subir e descer escadas e suportar dormir no calor. No Quadrilátero do Charme, o apagão atingiu 60% das 65 lojas.

¿ Como vou explicar aos meus clientes de outros estados e até europeus que não entreguei os projetos no prazo porque o país sofreu um apagão, sexta passada foi feriado e o meu bairro ficou dois dias sem luz? ¿ indaga o arquiteto André Piva, que dispensou os 15 funcionários do seu escritório, na Delfim Moreira.

As joalherias fecharam as portas por segurança. Na Rua Garcia D¿Ávila, os comerciantes adiaram o concurso que elegerá a vitrine mais bonita.

¿ Todas as lojas sofreram com a falta de luz, mas os restaurantes e lojas de sorvetes tiveram ainda mais prejuízos ¿ conta o diretor do Quadrilátero, Bruno Pereira, que preferiu não estimar o montante do prejuízo.

Com a volta da luz, a joalheria Antonio Bernardo, na Garcia D¿Ávila, foi uma das poucas a abrir as portas.

¿ Meu temor é que um apagão como este volte a acontecer às vésperas do Natal. Nosso prejuízo seria irrecuperável ¿ afirma a gerente, Cristina Paulino.

A Osteria Dell¿Angolo, na Rua Paul Redfern, em Ipanema, estima perda de R$10 mil em vendas. Sem falar nos produtos perecíveis, jogados no lixo.

¿ A casa comporta até 80 pessoas. Por isso, não faz sentido termos gerador. Mas se esse problema persistir, vamos comprar um ¿ diz o maître Carlos Vaz.

No restaurante Ten Kai, na Rua Prudente de Moraes, quase tudo estragou, principalmente os frutos do mar:

¿ Perdi dez reservas. Foi um transtorno grande, não só para o comércio, mas para os moradores. Um amigo que mora na Delfim Moreira e tem filho pequeno, não suportou o calor e passou a noite com a família num hotel ¿ contou Cesar Hasky, dono do Ten Kai.

Ainda em Ipanema, o Esplanada Grill, foi outro restaurante a ter prejuízo. O dono, Roger Magalhães, conta que a temperatura na casa chegou a 38 graus:

¿ Jogamos todos os perecíveis no lixo. Fiquei frustrado. Quando a gente tem problema com a Light, eles multam. E, agora, quem vai pagar meu prejuízo?

A dona da sorveteria Mil Frutas, Renata Saboya, tomou uma decisão rápida para não perder a mercadoria: levou de carro o estoque para a fábrica, em Benfica:

¿ É desesperador pensar que isso pode acontecer mais vezes.

O caos também chegou ao Leblon. Na Avenida Ataulfo de Paiva, o Shopping Rio Design, sem gerador, não abriu as portas até a tarde de ontem. Cerca de 40 carros ficaram retidos no estacionamento. Eles não podiam ser removidos porque o elevador parou. Os donos dos carros ganharam vouchers de táxi. Num protesto bem-humorado, o cabeleireiro Ítalo Leite, do Werner Coiffeur, na falta de clientes, cortou o cabelo do garçom do salão, Miguel Costa, na calçada na Ataulfo de Paiva:

¿ Resolvi descontrair o ambiente ¿ explicou.