Título: Panfleto político com dinheiro público
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 25/11/2009, O País, p. 3
Ministério da Cultura produz folheto que estimula voto em 250 deputados; oposição vai ao MP
JUCA FERREIRA: "Concordo que não se crie um material com esse tipo de constrangimento para quem não votou em determinado projeto. Foi um erro"
O FOLHETO do ministério (acima), que foi criticado pelo senador Demóstenes (abaixo): "Gastar dinheiro público para promover parlamentares é ato de improbidade administrativa"
BRASÍLIA. O Ministério da Cultura produziu e imprimiu, com recursos públicos, um panfleto chamado Vota Cultura, no qual estimula eleitores a eleger parlamentares que apoiam as políticas da pasta. Os nomes de cerca de 250 deputados, de diversos partidos, aparecem na contracapa do panfleto. O material foi classificado pela oposição como propaganda eleitoral ilegal e antecipada. Ontem, a oposição apresentou representação no Ministério Público.
O folheto se tornou o centro de uma confusão ontem, na Câmara, e inviabilizou a audiência na qual o ministro Juca Ferreira iria explicar o projeto Vale-Cultura, que subsidia R$50 em produtos e serviços culturais para trabalhadores. Juca Ferreira, visivelmente constrangido com o material distribuído por sua própria assessoria, inicialmente disse que não conhecia o panfleto e negou que sua pasta tivesse custeado a produção do material. Pressionado, admitiu que o endosso institucional do Ministério da Cultura na peça é "um erro" e um "excesso de solidariedade".
- Não tem um tostão do ministério. O folder foi uma iniciativa da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, para a celebração do Dia da Cultura em sessão solene na Câmara. Foi um erro - disse Ferreira. - O ministério não é responsável por este folder, não se justifica a reação ocorrida. Isto não é propaganda eleitoral.
No fim da tarde, porém, o ministério enviou ao Senado nota em que reconhece ser responsável pela elaboração e editoração do folheto. E afirma que acabou custeando a impressão, devido à indisponibilidade da Gráfica da Câmara dos Deputados para entregar a tiragem até o dia 5 de novembro.
O panfleto divulga projetos e políticas do ministério. Também consta no folheto a marca do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, mas não se sabe qual foi a participação do grupo na produção. A assessoria do ministério informou que foram impressos 4.500 exemplares, para distribuição direcionada ao setor cultural. Os assessores de Juca Ferreira não disseram o valor gasto e informaram que a logomarca institucional da Câmara foi usada com autorização informal da frente parlamentar. Mas a assessoria de imprensa da Câmara desmentiu e afirmou que a marca foi usada sem autorização.
- Não se trata de questão partidária, não é adequado misturar eleição com dinheiro público em um folder - criticou o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que fez um protesto sobre o assunto logo após a apresentação inicial de Juca Ferreira.
O ministro tinha esperado por mais de duas horas para falar, porque os governistas pediram prioridade para a sabatina de novo diretor do Banco Central.
- Gastar dinheiro público para promover parlamentares é um ato de improbidade administrativa. Todos devem ser multados, inclusive os de meu partido, por propaganda eleitoral antecipada com dinheiro público - disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que encaminhou ainda ontem uma representação ao Ministério Público Federal.
Sem argumentos para defender o material, restou aos senadores governistas acusar a oposição de criar confusão devido à alta popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à irritação com o lançamento do filme que trata de sua biografia.
- Cabia a reclamação, mas o que está em jogo é outra questão, é o filme sobre o presidente Lula, que tem 76% de apoio popular. A oposição está fazendo obstrução para protelar uma matéria importante, de inclusão social. Fizeram isso com o Bolsa Família também - disse Aloizio Mercadante (PT-SP).
Após uma discussão de quase meia hora, na qual houve ameaça de suspender a audiência, a comissão ficou esvaziada. Da oposição, permaneceram apenas Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Rosalba Ciarlini (DEM-RN), que apoiam o Vale-Cultura.
Depois disso, o projeto não chegou a ser debatido. Senadores aliados fizeram alguns poucos questionamentos e o ministro atribuiu a situação ao momento pré-eleitoral:
- Concordo que não se crie um material com esse tipo de constrangimento para quem não votou em determinado projeto. Foi um erro - disse Juca Ferreira. - Os parlamentares vivem um momento de disputa, em véspera de ano eleitoral. Mas é importante discutir o projeto Vale-Cultura, que é de interesse nacional.
O ministro disse que não se considera "pai" do projeto do Vale-Cultura, que seria na realidade uma ideia de Sergio Rouanet, ministro da Cultura de 1991-1992, no governo Fernando Collor de Melo. Segundo ele, o Vale-Cultura terá um orçamento de cerca de R$7 bilhões para estimular o setor cultural, dos quais R$3,7 bilhões seriam bancados pelo governo federal. O restante viria de contrapartida dos trabalhadores beneficiados e de incentivos fiscais para as empresas.
Ele não chegou a tratar do filme "Lula, filho do Brasil", nem da necessidade de tramitação do projeto com pedido de urgência constitucional. Segundo Ferreira, as discussões com a área econômica demoraram três anos e o formato alcançado é o ideal para o momento. O benefício será distribuído por meio de cartões magnéticos, que só podem ser usados em estabelecimentos aptos - os dados de consumo cultural serão abertos para controle social e acompanhamento. O ministro não respondeu por que os aposentados não terão o benefício.