Título: Lula promete a Cabral suspender votação do pré-sal
Autor: Paul, Gustavo; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 26/11/2009, Economia, p. 31

Para resolver impasse sobre royalties das áreas já licitadas, União abriria mão de recursos em prol de estados não produtores

CABRAL, LULA, Márcio Fortes e Paes durante evento no Rio: presidente vai intermediar negociação sobre royalties

RIO e BRASÍLIA. A forte reação dos governadores do Rio, Sérgio Cabral, e do Espírito Santo, Paulo Hartung, contra mudanças na distribuição de royalties do petróleo deu certo. Em evento sobre mobilidade urbana realizado ontem no Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a Cabral que vai suspender a votação do projeto de partilha do pré-sal enquanto não se resolver o impasse sobre a divisão dos royalties nas áreas já licitadas. Estados não produtores de petróleo fazem lobby para que as novas regras de distribuição de royalties valham também para campos do pré-sal já licitados. Anteontem, Cabral chamou de "roubo" e "butim" a proposta nordestina.

Além de conseguir interromper a votação na Câmara do projeto que cria a partilha de produção, a mobilização dos estados produtores levou à reabertura das negociações em torno das participações governamentais, tendo o presidente Lula como intermediador. Até terça-feira, o relator do projeto da partilha, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), promete apresentar uma proposta que contemple os estados não produtores, sem prejudicar os demais.

Relator quer aval de Lula para fechar entendimento

Segundo o relator, a proposta em estudo visa a garantir a participação de todos os estados nas receitas auferidas com as áreas já licitadas do pré-sal, sem alterar a arrecadação dos estados produtores. Ele não entrou em detalhes, para não atrapalhar as conversas em andamento, mas sinalizou que o caminho passará por tirar recursos que serão destinados à União, desta vez nas áreas já licitadas.

- Mexer na verba destinada aos estados produtores é arriscado e pode levar a questionamentos jurídicos. A União é formada por estados e municípios. Não se trata de penalizar a União, mas de fazer uma distribuição direta dos recursos - disse Alves.

Mais uma vez, Lula foi convocado a ser o fiador dos acordos. A avaliação é que o acordo anterior foi feito com sua chancela e que, sem ele, nada avançará. Alves admitiu que quer o aval de Lula para fechar o entendimento, que agora envolverá os governadores nordestinos, além de Hartung e Cabral.

Ontem, depois do "freio de arrumação" - na visão de alguns interlocutores do presidente - dado pelas declarações fortes do governador do Rio, o dia foi de negociações. Lula conversou por telefone com o governador capixaba e encontrou-se com Cabral no Rio. Enquanto isso, Alves passou o dia costurando uma solução com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

O líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF), admite que estão sendo desenhadas outras alternativas, que não passam simplesmente por transpor para as áreas já licitadas a divisão de royalties prevista no parecer de Henrique Alves.

- Existe margem para negociação - afirmou o deputado Ciro Gomes (PSB-CE).

Entre as ideias, a mais forte mira os recursos a que a União tem direito na partilha de royalties e participação especial de 28% da área do pré-sal já licitada. Atualmente, a União arrecada 39% de royalties e participação especial. O argumento político é que eles já foram mexidos pelo relator do projeto que cria o Fundo Social, Antonio Palocci (PT-SP), que os destinou para capitalizar logo o Fundo.

Ao defender sua proposta, Palocci lembrou que o governo já contingencia em média 80% desses recursos e que, por isso, os ministérios de Minas e Energia, Meio Ambiente, Defesa e Ciência e Tecnologia não sentiriam falta do dinheiro. O mesmo argumento está sendo usado por Alves:

- Foi o Palocci que abriu o precedente. Ele tirou os recursos da União, colocou no Fundo, e ninguém no governo reclamou.

A proposta é polêmica. O governo ainda não admite a possibilidade de abrir mão da receita. Mas, no jogo político que está por trás das discussões, pesará mais o objetivo do Palácio do Planalto de aprovar até abril os quatro projetos do marco regulatório do pré-sal, mantendo a espinha dorsal da proposta. A divisão dos royalties é, na verdade, encarada como secundária pelo governo.

- A posição do governo pode não ser a do relator, nem do Congresso. A decisão do governo pode não ser tão radicalizada assim - disse Alves.

Deputado nordestino critica Cabral: "show de inabilidade"

Além das negociações, um dos assuntos no Congresso foi a reação irada de Cabral. Parlamentares do Rio consideraram-na necessária. É o que pensa o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ):

- O governador foi veemente, o que às vezes é preciso.

Os deputados de outros estados criticaram. Para Pedro Eugênio (PT-PE), Cabral conseguiu aglutinar os estados não produtores contra o Rio:

- Ele não poderia ter chamado parlamentares de ladrões e o governador de Pernambuco de demagogo. Foi um show de inabilidade.

As negociações começaram na noite de terça-feira, depois das palavras duras de Cabral, durante jantar entre o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), com Lula, que levou a preocupação de Rio e Espírito Santo com a emenda da bancada nordestina. Lula afirmou que o Palácio quer "bancar o acordo feito", pelo qual a União abriu mão de parte de seus recursos aos estados produtores.

- Aqui tem que fazer as coisas com base na conversa. Essa não é uma questão partidária, é uma questão regional. Todos têm que sentar e conversar - disse Temer.

COLABORARAM Cristiane Jungblut e Gerson Camarotti