Título: Aneel desmente a Light
Autor: Brígido, Carolina; Bottari, Elenilce
Fonte: O Globo, 26/11/2009, Rio, p. 12

Empresa registrou mais interrupções de energia que a média das distribuidoras do Sudeste

Curto-circuito nas informações: apesar de o presidente da Light, José Luiz Alquéres, ter afirmado ontem, em entrevista à rádio CBN, que a concessionária se transformou, em 2009, na empresa com o menor índice de desligamento do Brasil e o segundo menor tempo de restabelecimentos, tornando-se a mais confiável do país, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revelam que a companhia registrou mais interrupções no fornecimento de energia e mais horas sem luz que a média das distribuidoras da Região Sudeste em 2008. O desempenho no ano passado ajuda a entender por que a empresa recebeu multas, por inconsistência no fornecimento do serviço, por nove anos consecutivos, de 2000 a 2008. Desde 2003, único período disponível no órgão regulador, as multas somam pouco mais de R$7 milhões. A mais alta, no valor de R$2,8 milhões, foi determinada pela Aneel no ano passado.

Em 2008, a área de concessão da Light ficou 11,6 horas sem energia. No mesmo período, o índice médio em toda a Região Sudeste foi de 10,6 horas sem luz. Também no ano passado, houve 6,74 desligamentos na área da Light, contra a média de 6,67 no Sudeste. Os dados referentes a 2009 só serão divulgados pela agência reguladora no fim deste ano.

Não existe na Aneel um ranking com o desempenho de todas as distribuidoras de energia do país. Mas dados da agência mostram que a Light não é a mais eficiente, nem mesmo entre as do Sudeste. A Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), por exemplo, registrou ano passado 6,85 horas sem energia e 5,87 interrupções de serviço. A empresa, que atende 3,4 milhões de unidades, tem porte comparável ao da Light, que abastece 3,5 milhões.

A Eletropaulo, de São Paulo, também apresentou melhor desempenho em 2008, quando registrou 9,2 horas sem energia e 5,2 interrupções de serviço. A empresa atende 5,8 milhões de unidades consumidoras.

A não ser que a distribuidora tenha dado um salto grande de qualidade este ano, os números até 2008 contradizem não só as declarações de Alquéres, mas também as do vice-presidente de Clientes da Light, Roberto Alcoforado, que afirmara, anteontem, que a Light tem os melhores indicadores de qualidade no Brasil. A Aneel contesta ainda a informação de Alquéres de que não houve, na região do Leblon, desligamentos nos últimos seis anos. Segundo a agência, houve pequenas interrupções no bairro em todos os anos, desde 2003. Naquele ano, a frequência de cortes foi de 1,42 vez. Em 2004, de 1,54. Em 2005, de 1,64. Em 2006, de 0,76. E em 2007, de 1,57. No ano passado, de 0,7. O órgão regulador esclarece que uma empresa não deixa de ser considerada confiável com esses números de ocorrências.

Ao comentar o apagão que deixou sem energia, por quase 24 horas, parte dos bairros de Ipanema, Leblon e Lagoa, Alquéres disse que os problemas ocorreram devido a falha técnica no sistema. E defendeu a Light, dizendo que recentemente ela tem investido muito em recursos e pessoal:

- Foi uma falha técnica, precisamente localizada no sistema e que, infelizmente, causou esse período longo, até poder ser tudo normalizado. A Light lamenta isso, mas não faltou empenho do nosso pessoal, nem investimento. Nós temos investido bastante nos últimos anos. O dobro da média histórica. Nós investimos muito mais do que o lucro que havíamos tido.

Light: roubo de cabos não foi causa

Diferentemente do que havia sido informado pela concessionária anteontem, Alquéres disse ontem que o roubo de cabos não pode ser considerado uma das causas da pane, embora tenha contribuído para a demora no restabelecimento do serviço.

De acordo com o presidente da Light, falhas sucessivas em dois cabos tiraram a condição do sistema de suportar a grande carga. Ele alegou que não existe falta de monitoramento.

- Nós estamos com um sistema de monitoramento - disse o presidente da Light. - Há praticamente uma câmera de televisão por câmara subterrânea para monitorar isso tudo. Esse (o ato de vandalismo) não é uma causa, mas é algo que atrapalha. Roubo de cabo é geral no Brasil. Não é um problema do Rio.

Alquéres também afirmou que o sistema é composto de vários cabos para, no caso de um falhar, os outros aguentarem a carga de energia.

- Esse sistema do Leblon começou a ser implantado na década de 40. Tem cabos de várias idades e, evidentemente, tem emendas. Mas é um sistema sólido. Nessa região do Leblon, não havia nenhuma falha, não faltava um minuto de luz há seis anos.

O presidente da Light alegou que todo o sistema apresenta falhas. Segundo ele, o padrão aceitável é um certo número de horas de interrupção por ano - em média, em torno de 15 a 16 horas e 15 a 16 interrupções. No entanto, de acordo com Alquéres, a empresa está bem abaixo desses índices:

- Nós estamos com menos de um terço disso, 5 e 5. Isso é um índice ponderado. Você pode dizer que na sua casa faltou luz por oito horas, mas em muitas outras não faltou nada. O que está havendo por aí é dentro do previsto.

Para o professor e engenheiro eletricista Rafael Schechtman, as causas do apagão parecem claras:

- Num momento de consumo muito grande, o sistema sofreu uma falha. E o sistema de redundância não era suficiente para atender à demanda naquela hora, ou porque não houve manutenção, ou porque as boias que disparam a bomba de sucção quando há inundações falharam, ou por causa de furtos dos fios. Está na hora de a empresa se preparar para ou prevenir os roubos de boias e fios, ou pelo menos criar um sistema que alerte para o problema. Será que vamos combinar com os ladrões para não roubarem fios durante a Copa do Mundo, quando, aliás, o consumo é maior e o setor elétrico fica de prontidão?

O prefeito Eduardo Paes disse ontem que o apagão no Leblon e em Ipanema chamou a atenção para um problema que vem sendo recorrente nas zonas Norte e Oeste. Ele criticou o serviço prestado pela Light e disse que a empresa precisa "trabalhar direito e respeitar a população".

- A gente não tem instrumentos para isso (punição da empresa). As agências reguladoras estão aí para isso. A gente espera que a Light trabalhe direito e respeite a população. Aconteceu no Leblon e em Ipanema agora (o apagão). Mas isso tem acontecido com muita constância nos bairros do subúrbio, que não ganham esse destaque todo. Não são poucas as vezes em que isso acontece em Marechal Hermes, Bento Ribeiro ou na Zona Oeste. Felizmente, aconteceu no Leblon, para chamar a atenção para isso, que tem acontecido com uma frequência maior do que devia. A Light tem é que tomar vergonha - disse Paes.

Ontem, a luz voltou a faltar em pontos isolados da Avenida Ataulfo de Paiva e da Rua Rainha Guilhermina, no Leblon. Moradores das ruas Pareto e Almirante Cochrane, na Tijuca, Zona Norte, também tiveram problemas no abastecimento.

COLABOROU: Ana Carolina Torres (Extra)